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Lava Jato na berlinda

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Depois de temporada relativamente adormecida, eis que ressurge ao debate e aos conflitos a Operação Lava Jato, agora dividindo espaço e atenções da mídia com a Covid 19; e insuflada pela denúncia de envolvimento de dois ex-governadores de São Paulo nos mesmos delitos pelos quais tantas vezes foram acusados outros políticos. Considerada a expressão de ambos, a suspeita já bastaria para que a operação moralizadora retomasse o antigo vigor, mesmo se os fatos denunciados em São Paulo não estivessem exatamente sob sua alçada. Mas ela acabou voltando ao noticiário por outro fator, este parecendo mais grave, que é a entrada em cena da Procuradoria-Geral da República, ao reclamar transparência em relação a documentos de investigação - milhares deles – relativos a pessoas, empresas e instituições implicadas justa ou injustamente.

Em relação a tal novidade, assistimos à inauguração de novo capítulo na acidentada história dessa Operação, o que, na opinião de não poucos, trata-se de uma ofensiva demolidora, destinada a decretar sua falência; o que em outras vezes tentou-se sem êxito. Os fracassos anteriores certamente se deveram aos clamores da opinião pública ouvidos em sua defesa.

Afora a suspeita tentativa de preservar a carcaça de poderosos na mira de futuras investigações, ou aflorar documentos secretos úteis para poupar amigos ou culpar adversários, essa nova incursão nas entranhas da Lava Jato pode, em paralelo, ofender o ex-ministro Sérgio Moro, não mais apenas por ter hostilizado o governo do qual fez parte. Mais do que isso, haveria a intenção de trazer à tona eventuais fragilidades e equívocos que ele possa ter cometido nos tempos em que foi patrono do movimento de moralização desencadeado em cima de notórios implicados em esquemas da corrupção assustadora. Já que Moro tem consentido em que seu nome seja lembrado como opção para o eleitorado que em 2022 irá às urnas escolher o novo presidente, seria também por isso a investida. Contra um projeto da sucessão presidencial organizam-se as forças a ele opostas.

O choque entre sinceras ou maldosas avaliações da Operação pode levá-la a uma hipotrofia, coisa que não apenas animaria o ressurgimento dos focos de corrupção, como ensejaria igualmente sinal verde para a aventura dos que ainda não tiveram acesso aos potes. E não serão poucos os ávidos a descobrir, pela senda do crime, os caminhos capazes de enriquecê-los à revelia das normas e dos bons princípios.

Não seria exagero, ante tanto risco, temer que a Lava Jato tenha sido, nestes últimos dias, condenada a mergulhar numa fase de vulnerabilidade. Pode ser que morra em definitivo, como temem os mais descrentes; mas, resistindo, estaria condenada a sobreviver com escassa oxigenação, incapaz de ter fôlego para mergulhar no submundo dos crimes que lesam as relações do poder público com empreiteiros e prestadores de serviços.

Agora, para reprisar uma questão que aqui algumas vezes se comentou. Quando se desdobravam as investigações iniciais, logo seguidas dos ritos processuais e prisões; quando se chegou ao inimaginável de encarcerar um ex-presidente da República, não por poucas vozes recomendou-se que à campanha moralizadora deviam seguir-se, supletivamente, iniciativas que, longe de se limitarem à retirada dos criminosos de circulação, fossem suficientes para dar ao Estado instrumentos tais que varressem a corrupção institucionalizada; não apenas desmascarar e condenar corruptos. É preciso desmontar a complexidade da máquina que abriga e tolera mil expedientes para os crimes que lesam o erário. Sem isso, a Jato lava mas não enxuga.

Sob o poder dessa máquina estão os candidatos que se lançam nas eleições, e aos corruptores têm de ceder, porque sem entrar nos esquemas e sem prometerem favores e pareceres com benefícios; sem assumir votações suspeitas e sem se submeterem ao dinheiro de interesses que não querem ser contrariados; sem isso a eleição é quase um sonho inatingível. Os corrompidos tornam-se vítimas inevitáveis. Cedem, porque sem isso não têm como disputar protagonismo na política. Ninguém suficientemente informado desconhece que grupos poderosos é que elegem e ditam as regras das bancadas do corporativismo em todas as câmaras.

Sem uma legislação eleitoral corajosa, capaz de libertar a política dessa dependência, o país continuará mal servido. Os políticos veem-se obrigados a se entregar aos caprichos dos dominadores. Cedem e compõem. Certamente que isso não justifica, mas explica.