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Um país entre altas e baixas

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O presidente Jair Bolsonaro informou pelo twitter, na manhã de sábado, que tinha testado negativo para a Covid-19. Como foi o 4º teste e não informou quando e onde o fez, a imprensa brasileira, inclusive a Agência Brasil da estatal EBC, para não se comprometer, deu a seguinte manchete: “Bolsonaro diz que novo teste para covid-19 deu negativo”. É que após negar três vezes que tivesse contraído o novo coronavírus e ter feito testes com nomes fictícios, a imprensa não quis comprar gato por lebre e só assumiu que ele estava com Covidi-19, em 7 de julho, quando exibiu o resultado do exame em seu nome.

Mas, no mesmo dia em que ele comemorou a remissão – que pretende atribuir ao uso combinado da hidroxicloroquina com o antibiótico azitromicina – duas notícias mostram que o vírus ignora quem julga ficar imune tomando ivermectina (de ação trivial anti vermes) ou cloroquina (de eficácia só comprovada contra malária, lúpus e artrite reumatoide): o recém-ministro da Educação, vítima da doença, informa estar com pneumonia, uma das sequelas do vírus; e ironia das ironias, o general Eduardo Pazuello, de origem na intendência do Exército e que cuidava da parte executiva do ministério da Saúde pós Henrique Mandetta e que “está” ministro desde 16 de maio, após a saída de Nelson Teich, vai fazer o teste por suspeita de ter contraído o vírus. Uma suposta fonte de contaminação seria o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, com quem se encontrara, antes de Leite testar positivo.

Enquanto isso, quem devia coordenar uma política nacional de combate ao vírus, em estreita colaboração com os governadores e prefeitos das principais cidades do país, se encolhe e procura se eximir da responsabilidade política de ter sido contra o isolamento, para preservar a economia e o emprego, com o comportamento errático e negacionista ao uso de máscaras parece que não aprendeu com o recolhimento forçado no Palácio Alvorada, nem com a condenação internacional e empresarial à má gestão ambiental na Amazônia.

No Alvorada, até uma ema deu-lhe uma bicada no jardim, quando o presidente lhe mostrou uma caixa de cloroquina. Mas ontem repetiu os erros de sempre: em Brasília, onde o uso de máscaras é obrigatório, tão logo recebeu o teste negativo e foi passear de moto, com pit stop sem uso de máscara numa loja de equipamentos para o veículo. Depois, na versão morde-assopra, foi visitar, sem máscara, a vice-líder do PSL-DF, Bia Kicis, que destituíra do cargo, após a derrota acachapante de 499 a 7 na votação da emenda do Fundeb.

O negacionismo de Bolsonaro, com todas as suas manifestações e atos contra o isolamento social e o uso de máscaras (a única segurança parcial ao lado do isolamento enquanto não se comprova a eficácia de uma vacina, cujo uso comercial só estará disponível no começo de 2021) – isso se o poderio econômico de Tio Sam não repetir o lance de março-abril, quando os Estados Unidos cobriram qualquer oferta e praticamente deixaram à margem dezenas de países na compra de respiradores, remédios e equipamentos de proteção individual (EPIs) que salvariam a vida dos profissionais da saúde e dos doentes – o Brasil completa, neste domingo, mais de 86 mil mortes (as estatísticas só serão confirmadas na 3ª feira, porque mesmo uma emergência destas, não há plantão em dezenas de secretarias estaduais e municipais).

Com 210 milhões de habitantes, o Brasil ocupa o 2º lugar no ranking mundial de baixas, com índice de mortalidade de 41 por 100 mil habitantes. Perde para os EUA, que com 329 milhões de habitantes e 146 mil mortes, registra índice de 44 mortes por 100 mil habitantes. Ambos lideram as estatísticas de recrudescimento do vírus, que se espalha pelo interior e regiões onde o surto inicial de março-abril-maio não fora tão intenso (graças ao isolamento social), mas recrudesceu, após o relaxamento das práticas de prevenção e isolamento.

Nos EUA, a Flórida e o Texas estão no centro das preocupações, além do Alasca e pontos remotos do interior. No Brasil, além do Centro-Oeste, estados antes poupados, como Minas Gerais e Bahia (respectivamente o 2º e o 4º mais populosos do país) e os do Sul, enfrentam uma nova onda, agravada pela queda de temperatura do inverno, propícia ao aumento das doenças respiratórias. Tudo conspira para o aumento das baixas, sobretudo em cidades do interior que não dispõem de adequada rede de saúde.

A tragédia atinge em particular os índios brasileiros, com menos anticorpos até contra o vírus das gripes comuns. Segundo estatísticas dos coletivos dos povos indígenas, há mais de 18 mil contaminados, com uma centena de mortes. O famoso cacique Raoni, líder dos índios caiapós (MT), teve alta nesta 6ª feira, após longa batalha. Mas Juca Kamayurá, um ancião do povo Kamayurá, que vivia na região do Alto Xingu (MT), morreu em decorrência da Covid-19 no sábado, após uma semana de internamento.

A Universidade John Hopkins, que contabiliza e compara os óbitos dos últimos sete dias entre mais de 190 países, nos coloca na liderança desta triste estatística. Segundo a universidade, até sexta-feira, o Brasil acumulava 7.387 óbitos pela Covid-19 em 7 dias. Com os dados preliminares de sábado, a média subiria para 7.445, indicando uma escalada. No mesmo período, os EUA acumulavam 6.244 mortes. O México, que tem 129 milhões de habitantes e já acumula 42 mil mortes (se aproximando dos 45,7 mil óbitos do Reino Unido, que tem 66 milhões de habitantes) registrou 3.598 mortes em 7 dias, pode ser superado pelo crescente avanço do vírus na Índia.

O 2º país mais populoso do mundo, com 1.380 milhões de habitantes, pouco menos que os 1,4 bilhão da China, já figura em 6º lugar no número de mortes (31.4 mil), à frente dos 30,2 mil da França e dos 28,5 mil da Espanha, mas deve superar em breve a Itália (35,2 mil) e talvez México e Reino Unido (45,7 mil). Tem potencial para nos tirar do 2º lugar do pódio da tragédia do Covid-19.

Documentos do Ministério da Saúde, divulgados na 6ª feira pelas Organizações Globo, deixam muito mal o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro interino da Saúde que insistiram desde abril no uso da hidroxicloquina e da azitromicina como protocolo do combate à Covid-19. As evidências de sua ineficácia em todo o mundo (comprovada esta semana por amplo estudo no Brasil) foram ignoradas pelo presidente da República – que sempre quis usar a pretensa existência de um remédio eficaz contra o vírus como justificativa para não adotar o isolamento, tendo os governadores e prefeitos que assumir a decisão.

Contrariando todos os pareceres dos técnicos do Ministério, prevaleceu a vontade do presidente, motivo da demissão dos ministros Mandetta e Nelson Teich. E não contente com isso, Bolsonaro encomendou ao laboratório do Exército e à Fiocruz a produção em massa da cloroquina, com insumos recebidos dos EUA ou importados em meio à dupla alta de seu preço e do dólar. Para desovar os estoques, fez Pazuello assinar protocolo e fazer larga distribuição aos estados do medicamento, rejeitado por associações médicas pelos maiores efeitos colaterais, como a taquicardia, ante supostos benefícios.

Precavido, Bolsonaro baixou um decreto que isentava administradores públicos de erros eventuais de gastos e estratégias durante o Estado de Calamidade Pública que se estende até 31 de dezembro. Isso é diferente dos superfaturamentos na compra de EPIs. A providência pode livrar a dupla de responsabilidade junto ao TCU pelo estoque de mais de 5 milhões de comprimidos, que darão para 18 anos de uso em casos já comprovados de sua eficiência, como a malária, enquanto faltam outros medicamentos, como anestésicos, indispensáveis para pacientes entubados.

Ao contrário dos seus filhos - às voltas com o inquérito de peculato e estelionato no caso do 01, o atual senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), quando era deputado da Alerj, ou das “fake news”, o 02, vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-Rio), e o 03, deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que ganharam uma cortina de fumaça (não se sabe se intencional, com dedo do Ministério da Justiça sob o comando de André Mendonça) com os mandados de busca e apreensão contra figurões do PSDB, como o senador José Serra e o ex-governador Gerado Alkimin, como se o volume do delito fosse atenuante para os crimes - Bolsonaro não pode fugir da responsabilidade política pela tragédia brasileira em matéria ambiental e humanitária.

A ema, ou “nhandu”, já o condenou.