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Prender logo o criminoso?

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Para os mais pessimistas este é o ano definitivamente perdido, sem permitir decisões importantes, tanto em atividades governamentais como no campo da economia e nas iniciativas particulares. Os menos pessimistas, mas longe de qualquer otimismo, acham que nem tudo deve estar condenado ao recesso. Respeitados os divergentes, talvez o que as circunstâncias realmente autorizam é aguardar melhores dias para grandes polêmicas, quando o país puder respirar ares que não sejam os de hoje. Já temos preocupações suficientes em pauta.

Para este segundo semestre, em se tratando de temas que não escapam do entrechoque de diferentes opiniões, seria prudente atentar na população preocupada, já refém de pandemia e da proximidade da eleição dos novos prefeitos; carecendo, portanto, de tempo e vagares para a abordagem de outros temas, que, se esperaram muito, podem aguardar mais um pouco. São aqueles assuntos bastantes para se recomendar o aplainamento dos reais interesses coletivos. Há um caso típico no Congresso Nacional, além das deliberações exigidas pelas contingências, a promessa de avançar com a reforma fiscal. E, em agosto, na Câmara, dar-se tratamento à PEC 99, que cuida do cumprimento das penas condenatórias em segunda instância. Os desencontros entre juristas e parlamentares começam já na interpretação do artigo 5º da Constituição Federal, e se estendem até a reflexão dos que defendem interpretação substantiva do direito de a pena ser aplicada antes de a ação subir à terceira e última etapa recursal. Como interpretar o conceito do trânsito em julgado? Não mais recolher o criminoso na segunda instância e aguardar o esgotamento da presunção da inocência?

Tão contrariadas entre si as opiniões, que melhor fosse convocar a sociedade pensante (não apenas os especialistas) a se manifestar, fora e distante de precipitações; fora das prioridades do momento, como esta em que se batalha com o vírus, além da iniciante mobilização de 5.500 municípios para a eleição de seus prefeitos. Recomenda ainda, à espera de melhores dias, o fato de as conhecidas manifestações que aplaudem a condenação em segunda instância já terem se prestado a camuflar certo ódio a políticos implicados. Caso típico é o ex-presidente Lula, ainda que fossem claras as evidências do delito que cometeu. A ânsia de ver o adversário trancafiado não permitiu perder a oportunidade propícia.

As discussões que se travam a propósito dos estágios da condenação e o próprio conceito da coisa julgada têm contribuído para ampliar alguma insegurança jurídica. Todos reconhecem isso. Mas os que querem certo limite para a presunção da inocência sustentam seus argumentos em dois aspectos, que são exatamente os que têm conquistado simpatias. O primeiro argumento é que a prisão, tão logo esteja prolatada a sentença no seu segundo estágio, não impede ao réu insistir na tentativa de provar inocência, ainda que a condenação contestada tenha se valido de provas mais que suficientes; tão suficientes, que não é frequente a reforma da pena no terceiro grau. O Código não impede a esse réu, tendo recursos para tanto, prosseguir em sua causa.

Outra alegação, esta ainda mais simpática ao sentimento da opinião pública sobre tal matéria, é que a Justiça brasileira revela-se a mais generosa do mundo nos expedientes recursais; e estes, que quase sempre demandam a contratação dos caros escritórios de advocacia ou juristas de renomada, passam a ser privilégio de poderosos; nunca para infratores pobres ou remediados, porque para estes são estreitas as portas dos efeitos suspensivos, a redefinição de competências, embargos e agravos. Para os ricos, está mais que demonstrado, a lei é condescendente nas protelações, que muitas vezes têm como prêmio maior a prescrição, capítulo final de longas tramitações.

Dos processos eternizados, mais que outros criminosos têm se valido os contumazes devedores do Fisco, no aguardo de uma última e salvadora decisão dos tribunais para perdoar grandes sonegações. Mas também dessa expectativa excluem-se os empresários mais modestos, o que jamais constituiu novidade no debate sobre as relações da Justiça com os fracos e os poderosos, em meio a nunca desmentidas diferenças de tratamento. Velhas diferenças consolidadas, que permitem ser lembradas com a leitura de uma nota deste jornal, 33 anos passados, sobre o clamor de Amaral Vieira, ao tomar posse IAB: “Nesta sociedade cumprir a lei é dever dos ingênuos, dos simples. O pobre tem medo da Justiça, cara e inacessível”.

O tema é complexo e sugere decisões menos apressadas.