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Educação sem rumos

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Bastaria passar os olhos nas crônicas do Planalto para se chegar a simples constatação: as frequentes alterações que se processam, com espanto e agilidade, nos quadros do primeiro escalão do governo, permitem deduzir, sem maior dificuldade, que nenhum ministro, como agora o professor Mílton Ribeiro, foi chamado ao cargo sem estar à frente de tantas incertezas, porque à importância de sua pasta somam-se, por extensão, as muitas tensões do momento. Sendo seu ministério vital para o futuro da sociedade, e nisto divide relevância com a Saúde, certamente haverá de perceber que um antigo e primeiro impasse é o fato de o Brasil não ter traçada ainda uma política educacional, com planos e objetivos perfeitamente definidos. Mas como haveria de se desejar que o modelo pudesse dar os primeiros passos no governo Bolsonaro?; governo que frequenta diárias perturbações, e nisso é inigualável. De fato, não se lê nos registros republicanos caso em que uma gestão, como o atual, tenha tateado durante ano e meio nas incertezas em setor importantíssimo, como a educação. Para desobrigá-lo de algo mais consistente nesses primeiros meses, nem se poderia, ante a fatualidade, recorrer às consequências da coronavírus. Inútil tentar a ardilosa explicação. O que autoriza demonstrar esse quadro de imobilismo; essa inércia frente a condutas que dessem partida à política de educação são exatamente as incertezas de comando na pasta. O gabinete do ministro Ribeiro padece de alta rotatividade. Não haveria mesmo como encontrar um mínimo de planejamento.

Em rigor, estivesse a área do professor Ribeiro vivendo fase menos conturbada, ela mesma poderia ser chamada a contribuir nas campanhas de prevenção e combate ao grande mal que hoje nos aflige. Ou pode alguém, em sã consciência, afirmar que a resistência ao vírus não estaria mais bem sucedida se o povo houvesse alçado melhor nível de instrução? Portanto, a prioridade sanitária da ocasião não há de servir de pretexto para o imobilismo de outra área, tão próxima e tão pertinente.

O novo ministro, por mais que consiga sustentar-se a bordo dos desafios, não terá tempo para recuperar os tempos já perdidos; talvez, no máximo, possa ensaiar primeiros passos de um plano que aspire a bons resultados no futuro; e, por sobre naturais dificuldades, inspirar-se nas realidades nacionais. Não ceder à tentação de importar experiências recomendadas por alguns graduados que vivem de intermináveis bolsas em solos estrangeiros; por mais bem sucedidas que hajam sido nos países que os acolhem. O que cabe aprender com outros povos é algo que os fatos jamais desmentem: não há desenvolvimento sem que todas as prioridades estejam focadas nos bancos escolares.

Que a inspiração divina, a que o ministro a tanto recorre nas homilias de pastor presbiteriano, possa levá-lo, portanto, a considerar que inexiste país próspero que ascenda ao concerto dos grandes povos sem que tenha levantado, antes de tudo e por primeiro, a prioridade absoluta desse setor que desde agora lhe é confiado. E, neste ponto, ter em vista que não basta a uma parcela da sociedade escapar do analfabetismo, enquanto a outra sonha com diploma superior. Em meio a esses extremos - os que apenas desenham letras no papel e os que chegam às universidades – há um vácuo intermediário onde vicejam multidões excluídas. Ora, se não pode haver criança sem escola, muito menos descuidar dos instrumentos que levem a adolescência e a juventude a adquirir conhecimentos básicos, os saberes intermediários; neles compreendidas as várias formas de capacitação técnica. Uma nação não se faz apenas de doutores; algumas vezes a despeito deles.

Cuidado não menos sensível é preservar princípios da laicidade do Estado; princípios esses, se exigíveis em todos os setores da administração pública, mais ainda na educação. Vale dizer: ao presidente e ao ministro não falece direito de ter opção entre as confissões, e eles realmente as têm declaradamente; mas não o Estado laico. O Brasil já amanheceu na República liberto da interdependência cultural e política com que convivia com a religião oficial. Rui ensinou em sua “Teoria Política” que “os governos têm consciência plena que sua missão não é a de padroeiros de nenhuma teologia”. Ante tal responsabilidade, sem procurar desviar-se dela, sem se servir da sombra de artificialismos, esquecer aquela conquista antiga seria gerar perigosas consequências, inaceitáveis ódios entre crenças, fermentar delírios de teocratas. E o perigo de “invencíveis e violentas antipatias”,ainda no dizer do Águia.

Todos esses cuidados - queira Deus - haverão de frequentar a pauta do recém-chegado ministro. Mas que consiga, para começo de conversa, superar o danoso e tumultuário clima de intermináveis sucessões que há meses paira sobre o gabinete que agora lhe é confiado.