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Vamos pensar fora da caixa?

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Entramos em maio, e as duas maiores regiões metropolitanas do país - a Grande São Paulo (21,5 milhões de habitantes) e Grande Rio (13 milhões), as que concentram os maiores registros de contaminação e mortes pelo novo coronavírus (Covid-19) - completam neste domingo, 3 de maio, 50 dias de semi-isolamento. As duas regiões têm população semelhantes às do Chile e da Holanda, ambas com 17 milhões de habitantes, e aos 12 milhões da Bélgica. A Holanda teve quase 5 mil mortos pelo Covid-19 e Bélgica, 7,7 mil mortes (um dos maiores índices em relação à população total na Europa).

A estratégia de isolamento não impediu que o Brasil atinja, em breve, 100 mil casos (as secretarias de saúde municipais e estaduais só vão trazer dados mais confiáveis na terça-feira, pois enquanto médicos e enfermeiros se esfalfam e perdem a vida na frente de batalha, na burocracia, salvo exceções, não há plantão num feriadão como o do 1º de maio). Já assumimos a vice-liderança em novos casos, após os Estados Unidos. Nas mortes, que em breve chegarão a 10 mil, estamos em 4º em baixas diárias (450 na média dos últimos quatro dias), perdendo só para os Estados Unidos (+ de 7 mil), Itália (+ de 740) e Reino Unido (+ de 620). “E daí?”, diria o presidente Jair Bolsonaro, que no regime presidencialista é Chefe de Estado (Brasil) e de Governo (comanda o Executivo), mas ainda não entendeu a diferença entre chefe de Estado e de Governo. Se vier a fazer uma visita oficial de Estado aos EUA vai perceber...

Há sinais de esperança no ar. As pesquisas para a descoberta de vacinas eficazes avançam em todos os continentes com colaboração de todos. Idem a descoberta de aparelhos mais simples de ventilação, como os desenvolvidos em Israel e até no Brasil. A questão é testar os protótipos e dar escala às linhas de produção. Isso requer tempo e dinheiro, luxos que a urgência não permitem. Na globalização, buscando produzir a custos baixos, multinacionais dos países ricos transferiram linhas de produção para a China, Índia e outras nações asiáticas. Agora, com todos necessitados, muitos países travam entre si uma luta feroz por equipamentos e remédios. O Brasil já teve muitos negócios frustrados, o que se explica pela alta volatilidade dos preços em dólar.

Laboratórios sonham que remédios testados em outros males demonstrem eficiência (o que impulsionaria suas ações nas bolsas – motivo para que a OMC entre em campo para liberar patentes, como o Brasil conseguiu no combate à AIDS). A cloroquina, normalmente usada contra malária, lúpus e artrite reumatoide, não se revelou tão eficaz. Nos Estados Unidos, Europa, China e Japão seus efeitos colaterais, como a taquicardia, causaram mais problemas que soluções ante o Covid-19. O nitazoxanida, vulgo anita, anunciado pelo ministro astronauta Marcos Pontes, ainda não pousou na Terra para mostrar resultados. Velho conhecido do combate à AIDS, o remdesevir, é a nova tábua de salvação, para felicidade dos acionistas do Gilead Science Inc. Os EUA já autorizaram seu uso e o Japão quer apressar trâmites do registro.

Voltando à dura realidade brasileira, o isolamento retardou, mas não conteve a explosão temida pelo ex-ministro Henrique Mandetta. Devido à pregação diária e demonstrações práticas contra a medida por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro (que no 1º de Maio disse que gostaria de ver os trabalhadores de volta ao batente), o máximo que se conseguiu de isolamento vertical ficou na faixa de 65% (com índices inferiores a 50% nas comunidades e cidades da periferia). Assim, com a disseminação sem controle da Covid-19 (não há testes sequer para os profissionais da saúde) prefeitos e governadores, em pânico pelo virtual colapso de seus sistemas de saúde, com poucos leitos e respiradores, prorrogam por mais 15 dias ou até fim de maio o isolamento.

Se a dubiedade na orientação geral, que deveria ser articulada e unida entre o governo federal, estados e municípios (onde, enfim, mora o cidadão) para o país superar com menos dores físicas e econômicas a pandemia, desorienta os mais conscientes, o que dizer do povão? Ou daqueles antes invisíveis, por falta de cadastro, que têm de ser expor nas filas da Caixa Econômica Federal e outros bancos para pegar os R$ 600 do auxílio de emergência?

Há mais de duas semanas no cargo, tímida e até covardemente, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, para se curvar aos desejos do chefe, esvaziou as entrevistas coletivas, nas quais Mandetta mobilizava a população, e ainda não deixou clara a orientação do ministério para a continuação do isolamento social. Isso só fez aumentarem os tristes registros. As mortes e os caixões que o secretário de Governo, general Luiz Eduardo Ramos quer que a mídia não exponha. Essa falta de clareza vai acabar gerando o que Bolsonaro queria evitar com o isolamento (cuja intensidade local, de fato, tem de ser decidida por cada um dos 5.570 prefeitos do país, a maioria com população de menos de 20 mil habitantes, onde não há adensamento): a necessidade de mais demora para a volta às atividades, como já ocorreu na Europa e EUA.

Ou seja, o círculo vicioso do processo recessivo – que já se manifestou nos Estados Unidos (queda de 4,8% no PIB) e na Europa (queda de mais de 5% em alguns países) – deve se agravar. Na terça-feira, o IBGE divulga os dados de produção industrial de março (quando só meio mês foi afetado). Mas já na quinta –feira a Anfavea anuncia os dados da produção nacional de veículos em abril, com uma capotagem frente a março e os meses anteriores. Por isso, na terça e quarta-feira, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se reúne (já com informações sobre a inflação de abril que o IBGE divulga sexta-feira) para decidir nova queda dos juros básicos.

Em condições normais, o Copom olharia a tendência da inflação (aumento dos preços de bens e serviços) e pediria mesa ou encaminharia proposta de baixa de 0,25 pontos percentuais. Os manuais de política monetária dizem que as taxas de juros devem acomodar a tendência da inflação, do crescimento e da massa salarial. Tudo foi para o espaço com a Covid-19. A demanda sumiu (com forte queda do PIB em menos de um mês de impacto; o grande coice será no 2º trimestre). O emprego idem (nos EUA os desempregados saltaram de 5 para 28 milhões) e a massa dos salários também sofreu um grande baque no Brasil (apesar da incipiência das pesquisas com a resistência ao uso mais amplo das facilidades de contato dos celulares). O jogo barato da política, numa manobra patrocinada por vários partidos, privou o uso dos celulares (negociado pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicações com as operadoras) para que se medisse o grau de deslocamento e concentração da população (que implica em risco de aumento das contaminações) alegando que isso violaria a liberdade do cidadão. De quebra, os pesquisadores do IBGE (sem poder visitar as várias regiões e cidades brasileiras nas pesquisas por amostra de domicílios - PNADs) também não podem fazer uso do contato do celular para aferir emprego e demais indicadores econômicos e sociais. O apagão atinge saúde e economia.

A taxa Selic está em 3,75% ao ano e o Itaú está calculando que o núcleo da inflação está despencando da faixa de 3,0% para 2,5% em 12 meses. A alta especulativa nos alimentos vem sendo compensada pela forte queda nos preços dos combustíveis, Assim, o Itaú prevê queda da Selic para 3,25% [eu baixaria a 3%] e acredita que as próximas leituras do IPCA devem seguir baixas e projeta deflação de 0,22% em abril e de 0,38% em maio. O Bradesco, também prevê que a “deflação deverá se intensificar nos próximos meses”. Para o banco, o “ambiente, de inflação corrente e expectativas abaixo do piso da meta de inflação em 2020, continua dando amplo espaço para o Banco Central prosseguir com cortes de juros”. O Bradesco espera que a Selic encerre 2020 em 2,25%, ficando assim em 2021.

Diante da ausência de inflação no horizonte, o Federal Reserve dos EUA, que já tinha aberto os cofres, renovou na semana passada a manutenção dos juros básicos na faixa de 0% a 0,25% ao ano. Mas em artigo no “New York Times” de 23 de abril, a economista Cláudia Sahn, que integrou o staff de economistas do Fed de 2008 a 2019 (viveu a grande crise econômica anterior, de 2008-09) defendeu claramente que não há qualquer problema para que o Fed, que já recomprou papéis de dívidas de bancos, empresas, estados e municípios (nos EUA é comum a emissão de bônus municipais por cidades que sequer são capitais de estado), emitar dinheiro para salvar cidades, pois “à medida que o Congresso se atrapalha [para aprovar ajudas] (...) a capacidade ilimitada do Fed de criar dinheiro pode ser a única salvação que restou para salvar as comunidades”.

Provavelmente, Paulo Guedes, ou alguém de sua equipe, leu o artigo. O que explica a mudança de posição do ortodoxo seguidor da Escola de Chicago. Se antes, como disse o Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central, o governo via, em fevereiro, a crise do Covid-19 na China, como um “problema na cadeia de suprimentos da indústria e do comércio”. O impacto da crise na Itália gerou mudança de 190 graus. Guedes disse, em conferência virtual no Senado, esta semana, que podia cogitar a emissão de dinheiro, diante da retração dos bancos para assumirem os riscos de socorro às empresas de grande a micro portes nas áreas de indústria, comércio e serviços.

Na minha experiência de 48 anos de cobertura de economia, já escrevi que “dinheiro na mão é vendaval”, como ocorreu com o Refinanciamento Compensatório em 1975-76. Dinheiro pode gerar incêndio inflacionário quando há oxigênio da demanda ou da especulação. Como a demanda sumiu, creio que Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga”, que “é a única voz da economia”, como disse o presidente Jair Bolsonaro, para prestigiar seu ministro da Economia, diante das ameaças de gastança fiscal do programa Pró-Brasil, não corre risco de contradizer sua biografia. O problema é que o presidente, que já se disse “uma metamorfose ambulante”, domingo, em Goiás, ao provocar aglomeração numa visita a um posto Petrobras, na Br, desautorizou o isolamento e o seu ministro da Economia, “Posto Ipiranga”.