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Coringa pra Presidente

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Após um giro muito agradável de duas semanas pelo Rio Grande do Norte e a surpreendente e adorável João Pessoa (a capital paraibana, de 850 mil habitantes, a mais verde do Brasil, tem uma orla marítima que remete a Ipanema e Leblon dos anos 70, antes da invasão de Sérgio Dourado &Cia – prédios baixos, até quatro andares, mas não colados um no outro, para circular a brisa marinha; ciclovia em toda a faixa litorânea e um mar caribenho com águas cálidas), volto à dura realidade brasileira.

Os casos de coronavírus se espalham fora da China e chegam ao Brasil. A crise da economia mundial se agrava, com a interrupção da cadeia produtiva, dependente de componentes made in China. Diante da incerteza geral, OPEP e Rússia (que dividem o mercado mundial de exportação de petróleo) não chegam a um acordo sobre corte de produção e os preços futuros do barril desabam para US$ 45, na sexta-feira, 6 de março. O Ibovespa derrete para menos de 98 mil pontos, acumulando queda de 17% no ano. O dólar chega a bater em R$ 4,67 e recua para R$ 6,53, com alta de 15% ante o real em 2020. As ações PN da Petrobras têm a maior queda do dia: 9,72% e fecham a R$ 22,83. Desde o dia 19 de fevereiro, quando divulgou lucro recorde de R$ 40,1 bilhões em 2019, as ações despencaram 25%. Menos mal que a empresa tira 66% do petróleo do pré-sal, a um custo inferior a US$ 7 por barril.

Vale uma explicação para tão grande velocidade de queda dos mercados financeiros em todo o mundo, frente as previsões mais modestas de desaceleração da economia mundial. Os mercados financeiros (de ações, commodities e moedas) operam basicamente com contratos futuros. Nesses contratos são feitas apostas de valorização ou perda. Todas com vínculo à economia real. Sobretudo, com a tendência dos juros básicos praticados pelos bancos centrais. Quando os juros aumentam (o que comprime a margem das operações lançadas a futuro), há uma venda em massa, para renegociação das posições. Isso provoca queda mais acentuada das cotações, pelo efeito manada. Quando a tendência é de alta, ela se constrói mais tijolo por tijolo.

Por isso, os indicadores futuros dos mercados especulativos são bons sinalizadores de tendência, mesmo quando vão da euforia ao pânico, na tentativa de se minimizar perdas futuras (vendedores e compradores se comprometem com determinado preço para três meses ou mais adiante e sempre um lado sai perdendo e o outro vence, ou lucra). Assim o impacto do coronavírus assustou para valer a todos no mercado financeiro mundial quando o Federal Reserve Bank, o banco central da maior economia do mundo e que regula a oferta de dólares, decidiu na terça-feira, 3 de março, fora da agenda, após a reunião dos ministros de finanças do G-7, em Paris, reduzir a taxa de juros norte-americana em 0,5 p.p., para o intervalo de 1,00% e 1,25% ao ano. No comunicado, o Federal Open Market Committee (que inspirou o Copom brasileiro) avaliou que o coronavírus representa um risco para a atividade global, apesar de seus efeitos gerais continuarem muito incertos.

Para se ver como o passado não garante o futuro: a economia dos Estados Unidos seguia firme até então, com geração de 273 mil vagas em fevereiro (muita acima dos 175 mil esperados pelo mercado), repetindo o número de empregos gerados em janeiro. Coincidentemente, a medida do Fed, que gerou vendas generalizadas de contratos (apesar da boa notícia da queda de juros), pois era indicativo de uma crise gravíssima em curso na economia real, veio na véspera do IBGE divulgar o baixo PIB de 1,1% em 2019. Não que o número tenha sido surpresa. Há muito os grandes bancos (como indiquei aqui no JB on line), previam alta de só 0,5% no PIB do 4º trimestre.

O inusitado foi a reação do governo brasileiro durante a semana. No dia do PIB, o presidente Jair Bolsonaro trocou de papel com um bufão, delegando ao humorista Marvio Lúcio dos Santos Lourenço, o Carioca - recém-contratado pela Rede Record, do bispo Macedo, que saltou do carro oficial acompanhado do secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten - as explicações sobre o fraco desempenho da economia no primeiro ano de governo.

Além de não explicar porque o crescimento ficou 50% menor que os 2,2% previstos no Orçamento Geral da União para 2019, o presidente se divertia enquanto o sósia distribuía bananas aos jornalistas. Com um mínimo de pundonor, estes reagiram à falta de decoro presidencial, abandonando o cercadinho à porta do Alvorada, onde costumam acompanhar a saída e a volta do presidente à sua residência, já que não há acesso no Palácio do Planalto e o porta-voz oficial, general Otávio Rego Barros vem tendo a função esvaziada, tantos são os desmentidos posteriores a palavras e atos presidenciais.

[Há quem confunda humorísticos com jornalismo só porque são apresentados na mesma emissora. Quando veio a anistia, no governo do general João Figueiredo (1979-1985), a Bandeirantes tinha um excelente programa de humor, com máscaras caricaturando cada personagem, inclusive o general. E o maior imitador das casmurrices do “prendo e arrebento!” era o saudoso Agildo Ribeiro. O fato de que jornalistas tenham cruzado a fronteira e entrado na área do entretenimento, talvez, tenha confundido a mente da massa. Mas o governo não pode ter esse comportamento primário. Ainda que Figueiredo tenho ido às vias de fato, em novembro de 1979, em Florianópolis, enquanto era vaiado´, xingado e cobrado pela “panela cheia, prometida pelo ex-ministro da Agricultura, Delfim Neto, que assumiu o Planejamento, meses antes, em agosto, após Mário Henrique Simonsen pedir o boné ir para casa, diante da falta de comprometimento do governo Figueiredo com a austeridade fiscal. A história provou que Simonsen tinha completa razão.]

Mas o circo dos horrores na corte não parou por aí. O ministro da Economia, Paulo Guedes, calejado especulador no mercado financeiro, parece ter se esquecido da máxima de que ministro de Fazenda (ou Economia) e presidente do Banco Central não devem antecipar tendência de inflação, juros e câmbio. No começo de fevereiro, antes de meu tour nordestino, Guedes disse que era bom o dólar subir porque quando estava a R$ 1,80 (governo Dilma), “até as empregadas domésticas iam à Disney”, pagas pela família, naturalmente. O dólar disparou...

Esta semana, pisou novamente em casca de banana, ao admitir que o dólar pode cair se “o governo fizer coisas certas”, mas poderia “ir a R$ 5 se eu fizer muita besteira”. Já fez. E o dólar chegou a R$ 4,6750, obrigando o Banco Central a montar uma estratégia para segurar a maior desvalorização das moedas diante do dólar em 2020. Detalhe, não segui o conselho do Paulo Guedes para ir ao Nordeste em vez da Disney (sempre resisti à Disney, onde fui apenas em 1983, a convite do programa da USIS, quando era editor de economia do velho JORNAL DO BRASIL). Ir ao Nordeste e conhecer o Brasil vale muito mais a pena. Para conhecer melhor a alma e as belezas do país, sobretudo em tempos de coranavírus.

E já que o tempo é de palhaçada, embora a situação seja séria, gravíssima, vamos trocar de palhaço e colocar o “Coringa” de presidente de mentirinha. É mais contundente.