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Esse dinheiro que elege

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Quando o Congresso Nacional aprovou, na terça-feira passada, a proposta de orçamento da União para o próximo exercício, ficou decidido que o país terá de despender pouco mais de R$ 2 bilhões para dar suporte às campanhas dos candidatos a prefeito e vereador, que estarão enfrentando as urnas no outubro seguinte. O apetite de candidatos, partidos e grupos interessados esperava presente mais generoso, mas acabou acordado em um valor que apenas repete o orçamento de 2018, quando convivemos com eleições bem caras, quase gerais. Percebeu-se, com clareza, que a eliminação de maiores avanços na oferta resultou da reação negativa da população; reação que se exteriorizou nos insistentes protestos que povoaram as redes sociais, além de os congressistas temerem o veto vertical que o presidente Bolsonaro havia prometido. Portanto, nada além dos dois bilhões.

Qualquer que seja o volume dessa generosidade com as campanhas eleitorais é inegável o disparate que representa o deslocamento de recursos do orçamento público, quando podiam estar endereçados às políticas sociais. Não há como justificar, em sã consciência, diante dos desafios por que passa a sociedade brasileira, tal expediente para abastecer um fundo de financiamento eleitoral. Bastaria considerar o momento de crise aguda de recursos para obras e serviços essenciais para gerar perplexidade.

Nesse recente episódio assistiu-se a dois discursos discrepantes: de um lado, porta-vozes do governo reclamando a necessidade de equilíbrio fiscal a qualquer custo; do outro, os políticos querendo desafogar os bolsos nas campanhas junto ao eleitorado. Seja como for, ninguém se deixa convencer de que o fundo público impede que apenas candidatos ricos ganhem viabilidade nas urnas. O argumento é frágil.

Mas a verdade é que as mesmas posições antagônicas haverão de servir para estimular o aprofundamento da discussão, a começar pelo fato de que as próximas eleições municipais vão servir de laboratório para uma possível reforma a orientar as que virão em 2022; estas seguramente mais amplas e mais importantes, quando entrará em cena a escolha do novo presidente e dos governadores. Neste passo, já parece razoável admitir a volta do financiamento empresarial, o que se efetivaria com base na tese de que dinheiro público (que certamente continuará escasso) não pode ser usado para patrocínios eleitorais. É o que certamente dirão os parlamentares, embora neste ano não tenham se curvado a essa realidade. Para ilustrar a tese, largamente contemplados, dariam seu aval ao retorno à prática anterior. Bastaria afirmar, ainda que com duvidosa sinceridade, que um fundo eleitoral, com dinheiro público, violenta os interesses da sociedade.

Fato inegável é que, em se tratando de caça aos votos, os dinheiros interessados sempre tiverem papel preponderante, e continuarão com sua robustez, estando sob o amparo da lei ou à revelia dela. Ninguém poderia afirmar, por exemplo, que nas eleições de 2018, apesar do financiamento público, não tenha ocorrido o tradicional caixa dois, alimentado por grandes grupos que se empenharam. Esse apoio financeiro, oficialmente omitido por ser ilegal, se não chegou a ter a desenvoltura que se viu nos anos anteriores, nem deixou dúvida da presença e da influência de setores que esperam vantagens no processo. O dinheiro não contabilizado abasteceu e abastece muitas campanhas de deputados, governadores e senadores. Sempre foi assim.