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Constituinte fora de hora

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Inebriado pelos louros que lhe subiram após a vitória da emenda que criou nova estrutura para o sistema previdenciário brasileiro, o presidente do Senado achou conveniente uma mexida geral no texto constitucional, não só para prender criminosos abatidos pela condenação em segunda instância, como também para rever aspectos da Carta que considera defasados. Não há como atribuir ao entusiasmo uma proposta com escassa capacidade de ajudar a sociedade a solucionar problemas que, como sabe o jovem senador, já estariam removidos com o que se herdou da Constituinte de 88; ou, mais simplesmente, no que coubesse, pela via larga da legislação ordinária. Nada que se possa creditar além do ímpeto comemorativo, mas longe de constituir novidade, porque as reformas constitucionais sempre foram tentação para muitos políticos e raros juristas, estes por saberem que retoques ocasionais sempre se revelaram insuficientes, quando não para ferir direitos coletivos. Advertiu Pierre Marie Duguit sobre “essa eterna quimera de procurar inserir na Constituição a perfeição que não temos”.

A prisão em segunda instância, sem que se espere pela última, é tema que excita, ao calor da revoada dos condenados que proliferavam na cadeia, carpindo os excessos navegantes no generoso mar da corrupção com que se contempla o Brasil. Precipitar o castigo, antes que morram as últimas esperanças, parece ganhar a simpatia popular, porque faria bem o Congresso dar fim aos avanços e retrocessos tão ao gosto do Supremo Tribunal Federal; cabível, portanto, um suficiente reparo por uma emenda ao Texto Maior; mas sem que se possa aproveitar a carruagem para a incursão geral sugerida. É possível que, vencido o natural entusiasmo da hora, o presidente Davi Alcolumbre conclua pela desnecessidade da cirurgia profunda de uma nova Constituinte, seja formada por representantes para ela especificamente eleitos ou – muito pior – se para tanto se credenciem deputados e senadores, que não foram eleitos para tamanha responsabilidade.

Sempre houve congressistas que cederam à tentação de admitir que a Lei Maior é uma espécie de panaceia, mesmo que a experiência insista em demonstrar o equívoco creditado às sete anteriores, homologadas ou promulgadas. Nem por isso se deram ao trabalho de aprender que o texto pode ser sintético ou analítico; o primeiro modelo certamente mais eficaz. Já havia anotado o jurista e ex-ministro Saulo Ramos que temos sucumbido ao erro de organizar um texto constitucional como se elaboram os estatutos de clube recreativo, cheios de miudezas, penduricalhos e extravagâncias. Contudo, todos aplaudem a enxutíssima constituição americana, mais ainda a inglesa, consuetudinária, na qual apenas 25% são escritos e o mais confiado à tradição.

Quanto menos retocada a Carta mais respeitada, sem aventuras políticas e jurisdicistas, e sem essa perigosa tentação de substituí-la totalmente à frente do primeiro impasse. Valeria não descuidar da advertência de quem promulgou a de 88, "alforria dos cidadãos", definindo-a como um caminho a ser percorrido com persistência, mas sem do arcabouço descuidar. Muito antes dele, sempre o respeitável Rui já havia traçado o perfil da Constituição ideal: “sensata, sólida, política nos seus próprios defeitos e compreensível nas suas contradições inevitáveis.” Sucessor de Ulysses Guimarães na presidência do Congresso Nacional, o senador Alcolumbre facilmente chegará à conclusão de que uma reforma geral e imediata é tudo de que precisamos para conturbar e ampliar inseguranças na convivência mínima do momento político, que já não são poucas.