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Embargo dos EUA, a origem do óleo do NE

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Trabalho feito há duas décadas pela Petrobras para identificar o DNA dos diversos tipos de petróleo que importava e facilitar a programação dos processos de refino em suas unidades, permitiu apontar que as diversas ocorrências (238 até sexta-feira) tinham óleos de três campos venezuelanos de petróleo. Isso é cristalino. Agora, explicar que esses “jabutis” foram postos em cima das árvores (ou coqueiros) de centenas de praias e arrecifes de nove estados do Nordeste é mais difícil.

Na quinta-feira estive com um dos mais respeitados ex-diretores da Petrobras, que é digno das maiores reverências dos brasileiros (não pelo fato de que não esteve arrolado em nenhum inquérito sobre falcatruas e maracutaias na estatal). Com a cautela de sua expertise, diz que não há dúvidas de que o óleo é venezuelano, como atestaram universidades brasileiras que estudaram algumas amostras.

Sua explicação para o aparecimento nas praias do Nordeste está ligada à ocorrência de um grande vazamento durante operação clandestina de transbordo em alto mar de petróleo por parte de navio venezuelano para o de outra bandeira. Situações semelhantes ocorreram no transbordo de petróleo iraniano para outros países. E também do Iraque, de Saddam Hussein, logo após a condenação do Ocidente pela invasão do Kuwait, em 1990.

Em agosto deste ano, na esperança de enfraquecer de vez o governo de Nicolás Maduro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou embargo às exportações de petróleo da Venezuela. Após uma queda de mais de 40% na produção nos últimos anos, não poder vender petróleo para os EUA (há muito o maior cliente) e ver os países importadores sujeitos a sanções comerciais e financeiras, a subida no sarrafo do embargo poderia ser fatal.

Mas mercadoria com demanda crescente como o petróleo, permite negociações paralelas (com forte deságio, claro) nas situações mais complexas. Transferir a carga de um petroleiro a outro sempre tem riscos. Por isso, essas operações, preferencialmente, são feitas em áreas de mar calmo, numa angra ou numa zona portuária. Mas numa operação clandestina e sujeita à fiscalização americana via satélite, todos os riscos têm de ser corridos.

Assim, o transbordo foi feito em alto mar, com oscilações de ondas grandes. Para que ambos os navios não fossem identificados, os respectivos transponders (aparelhos que facilitam a localização via GPS) foram desligados. Como era uma operação pirata, nenhum dos navios fez qualquer comunicação de irregularidade. Isso torna mais difícil chegar aos verdadeiros causadores. Não se sabe quem foi o receptador da carga recebida.

Ou seja, o maior acidente ambiental na costa brasileira foi decorrência final do embargo dos Estados Unidos ao petróleo da Venezuela. Uma pesquisa sobre os compradores históricos do petróleo venezuelano poderia reduzir o número de suspeitos. Mas há petroleiros de terceiras bandeiras (Libéria, por exemplo, ou algum país do Oriente) que podem ter se arriscado na operação.

Vejam o caso do petróleo produzido no Brasil e vendido pela Petrobras. No balanço do 3ª trimestre, a China levou 64% do petróleo exportado e os Estados Unidos, 13, Chile, 6% e a Índia, 4%. Nos nove meses do ano, a fatia da China foi de 72%, a dos EUA, ficou em 11% e Chile e índice dividiram uma posição de 5%. O petróleo desbancou o minério de ferro como o principal produto de exportação entre os quase US$ 100 bilhões exportados pelo Brasil à China, em 2018. Na exportação de derivados, os EUA ficaram com metade das vendas, Cingapura com 31% e a Holanda com 4%. A China absorveu apenas 1%, comprovando a preferência chinesa por comprar produtos in bruto para transformá-los no próprio território, gerando emprego e renda.

Não foi por outro motivo que na sua viagem à China esta semana, o presidente Jair Bolsonaro tenha encontrado receptividade do presidente Xi Jiping ao aumento de vendas de petróleo, minério de ferro e farelo de algodão (esta foi uma conquista importante, pois o Brasil já é o 2º exportador de fardos de algodão do mundo e agora agregou a venda dos caroços, que são usados em tortas de alimentação de vacas leiteiras).

Apesar da gripe suína africana ter dizimado parte do rebanho suíno chinês (a carne de porco responde por metade do consumo de carnes no país) e ter impacto nas compras de soja e milho, que são os principais ingredientes da alimentação animal), a China pode ter olhos fechados, mas segue com boca grande. Há demanda crescente por carnes bovinas, de frango e suínas. Além de pasta de celulose (o Brasil é o maior exportador e a China o maior consumidor). O difícil vai ser a China diversificar as compras para produtos finais, como sonhava a comitiva de empresários e técnicos do governo.

Mas a realidade que Bolsonaro reencontrará na sua volta, após a eleição do filho 03 como líder do governo na Câmara e a escala no Oriente Médio, será uma América do Sul diferente. Ao Norte, a Venezuela segue mal, obrigado. Ao Sul, a Argentina elegerá amanhã Alberto Fernández, ex-chefe de gabinete de Cristina Kirchner, que virou vice na chapa que promete guinada à esquerda e a retomada do populismo peronista após o fracasso do liberalismo de Ricardo Macri - que Bolsonaro apoiava ostensivamente.

Embora tenha ganho a preferência diante do Brasil para ingresso na OCDE, a Argentina padece de um problema muito mais grave que nossas desigualdades e baixo IDH – principais fossos rumo à intenção de Paulo Guedes de ser aceito no clube dos ricos – a falta de economia de escala. Graças ao solo fértil e de ter alcançado a riqueza há mais de 100 anos, a Argentina sempre esteve à frente do Brasil, até ser superada no futebol, com Pelé e as Copas do Mundo (a prova dos nove será dia 23, em Santiago do Chile), e na industrialização.

O pequeno vizinho Uruguai, que também realiza eleições domingo, com provável 2º turno, pode mudar de rumo, embora o governista, engenheiro Daniel Martínez, da Frente Ampla de Tabaré Vásquez, lidere, com 33% das intenções de voto. A América do Sul vive duas semanas de turbulência. As eleições na Bolívia, com a contagem oficial dando o 4º mandato a Evo Morales, são contestadas na OEA, com carga do Brasil e EUA, além da União Europeia.

Chile e Equador, únicos países que não fazem fronteira com o Brasil, sentiram a reação popular ao tentarem uma guinada de 180 graus aplicando realismo nas tarifas de transporte e de combustíveis. No Equador, a insurgência ao fim de quatro décadas de subsídios fez o presidente querer mudar a capital de Quito para o litoral. No Chile, o presidente Sebastián Piñera adotou toque de recolher e agora pede renúncia coletiva dos ministros para aplacar a ira popular que levou 1,2 milhão às ruas de Santiago.

Decididamente, o liberalismo está à prova na América do Sul