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Não se brinca com agosto

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Coronel Salustiano, devotado a criar um “gadinho” nos rincões da Mata mineira, era dono de todos votos do lugar, mas sugeria aos candidatos, que o procuravam, deixar agosto passar, porque tinha na conta que este é um mês que não se dá bem com a política. Já no arraial do Matozinhos perdera, nos idos leoninos, um irmão e dois primos, protagonistas de antigas rusgas de fazendeiros pessedistas com bacharéis udenistas. Supersticiosos ou não, todos já ouviram falar do mês do desgosto, crença que no interior muitos alimentam quando julho, nos estertores, entra naquele clima de morre-não-morre. Mas a péssima fama do mês oito é bem mais antiga.


Longe de ser produto nacional, os romanos já temiam esse mês, por acreditarem que, naquela época, um dragão cuspindo fogo aparecia no céu durante a noite. Era apenas a constelação de Leão, que fica mais visível no período; mas muitos senadores de César preferiam não desafiar coisas perigosas. Portugal e seus antigos também contribuíram, ao cunhar a expressão “casar em agosto traz desgosto”; até poque era o tempo em que muitas caravelas costumavam partir para a aventura do Novo Mundo. Uma época que distanciava os casais e ampliava a população das viúvas.


No Brasil, dois episódios históricos marcantes também aconteceram nesse mês. No dia 24 daquele 1954 o presidente Getúlio Vargas cometeu suicídio. Em 21 de agosto de 1961 Jânio Quadros renunciou à Presidência da República, e não há quem desconheça o quanto custou à democracia brasileira aqueles gestos inesperados.


Na atual conjuntura brasileira, os maiores temores localizam-se em variados setores da política, sobretudo com as incursões verbais diárias do presidente Bolsonaro, Em cada uma delas a polêmica e um rastro de agressões. De tal forma, que já não faltam tensões provocadas por grupos dispostos as enfrentá-lo com rigor. Alguns contestadores falam em impedimento; ou sua interdição, o que não encontra paralelo em nossa história política. Ora, estamos sob um clima nada mais útil para produzir apreensões, tão no feitio das tradições de agosto, ainda que o país constate uma oposição sem força política para tanto, nas ruas e no parlamento, onde é minoritária. E os movimentos sociais, peça preciosa para instar o presidente, ainda se mostram abatidos pela onda conservadora que os surpreendeu nas urnas. Para evitar desastre institucional poder-se-ia apelar à suprema corte de Justiça, mas ela já não tem a seu favor forças e prestígio que a autorizem chamar à fala o presidente, mesmo que seja apenas para recomendar mais prudência nos discursos e nas entrevistas. A Justiça tem poderosa trave que a impede de condenar o cisco em olhos alheios. Talvez as limitações dispersar entre políticos e julgadores possam ajudar Brasília a evitar turbulências, enquanto o mês fatídico vai passando.


O resto do mundo coleciona razões para não brincar com agosto, advertido por alguns acontecimentos históricos que, obra das coincidências, contribuíram para que ele ganhasse fama de agourento. Para se falar apenas em duas tragédias, no dia 2 de agosto de 1934 Hitler tornou-se líder da Alemanha, e o mundo sabe no que isso resultou. Já em 6 e 9 de agosto de 1945, Hiroshima e Nagazaki foram alvos das bombas atômicas, sinistros mais simbólicas do século passado.


O presidente Bolsonaro acaba de afirmar que a verborragia faz parte de um estilo pessoal de lidar com as coisas, e isenta assessores de qualquer responsabilidade. Ele é assim mesmo, diz o que vem na cabeça; e agosto e suas ciladas que se danem.

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AGOSTO | política