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E se o pesadelo de Mansueto for real?

"a reforma da Previdência, sozinha, não vai trazer a economia" necessária ao Brasil

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Temas importantes costumam passar batido pela distraída atenção das mídias. O grande público, então, esse nem ouve falar. Foi o caso, esta semana, da quase incrível declaração do Secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, profissional competente que, além disso, tem estado à frente das finanças

públicas desde o governo Temer, em 2016. Mansueto foi quem calculou o buraco deixado por Dilma nas contas do governo federal e propôs que o Congresso aprovasse, naquele 2016, um déficit primário (sem contar juros) de quase R$200 bilhões. A medida era necessária para “tapar de vez o buraco e sanear as contas”.

Pois é. Passados três exercícios fiscais, de 2016 a 2018, eis que estamos em 2019 e o mesmo Mansueto nos manda mais essa, num seminário em São Paulo: “...que o ajuste fiscal necessário no Brasil chega a quase R$300 bilhões e que a reforma da Previdência, sozinha, não vai trazer economia pelo menos nos próximos

quatro anos. Por isso, medidas mais duras serão necessárias.” [VALOR, 31/07]. Mas péra aí? Não era a reforma previdenciária, tão alardeada como salvadora das contas do governo, aquela responsável por reequilibrar as contas? O que aconteceu, então, no gasto público, mesmo antes de aprovado o pacote do INSS?

É preciso entender melhor que diabos estaria ocorrendo nessa desandada matemática das contas que nunca se equilibram. O ex-chefe de Mansueto, Henrique Meirelles, defendeu, quando ministro, um Novo Regime Fiscal, que aplicaria uma dieta rígida à despesa pública, para só reajustar o orçamento de gastos pela inflação no ano anterior. Isso iria dar conta do recado e trazer de volta, em pouco tempo,. Os sumidos saldos primários, isto é, haveria folga entre a arrecadação total e a despesa sem juros. Nada disso ocorreu. O Novo Regime foi para o saco. Os déficits primários campeiam. O Secretário do Tesouro nos adverte sobre a tragédia fiscal anunciada como se fosse um comentarista avulso. Seria como você, sentado na poltrona do avião, ouvir: “Aqui é o co-piloto. Gente, não tô gostando nada do que estou vendo na tela do radar. Tem turbulência grossa pela frente. Melhor é ir puxando uma reza forte por aí.”

Enquanto isso, o diligente pesquisador José Roberto Afonso, que sabe tudo sobre tributação no Brasil, com seu colega Kleber Pacheco, acaba de soltar uma análise completa da carga tributária em 2018. Novidade: o peso dos impostos na economia, medido pelo total arrecadado por União, estados e municípios, em

percentual do PIB, bateu novo recorde histórico, de 35, 07%. Leitura rápida disso, confrontando com as impressionantes declarações de Mansueto, é que as três esferas de governo continuam gastando bonito, num ritmo mais veloz do que a capacidade crescente do povo em mandar verbas tributárias para os cofres

públicos. A arrecadação vai bem, mas o gasto vai melhor ainda, o que comprova a absoluta ineficácia da tal dieta do gasto público, votada com fanfarras em 2016.

Marchamos sorridentes para a fanfarra de 2019. Desta vez, o pacotaço da previdência, todo voltado para arrancar mais algum do bolso dos segurados regulares do INSS, é o que promete assegurar nosso controle fiscal. Promessa para boi dormir. Desta vez, não somos nós os estraga-prazeres, que temos repetido tal alerta de modo cansativo nesta coluna. Agora, é o próprio co-piloto do ministério da Economia, o gerente do posto Ipiranga, quem nos avisa que a conta fiscal ameaça explodir sobre nosso desgraçado futuro. Difícil dizer se é apenas um sonho mau do Mansueto, ou se o pesadelo dele é real.

(*) Paulo Rabello escreve sobre economia e alerta para o déficit público brasileiro há quatro décadas.