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Previdência: Quanto Evoluiu o Debate? (IV)

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Poucas vezes testemunhei um silêncio tão gritante das inteligências do País quanto este que projeta escuridão sobre a reforma da previdência. Passaram-se três meses, desde a apresentação do projeto em fevereiro, e ainda podemos contar nos dedos as poucas vozes que, nas mídias convencionais ou digitais,
trouxeram alguma substância à discussão da matéria. Na Câmara, a primeira sessão de debate com o governo terminou num ataque de nervos. A segunda não chegou a degringolar, mas tampouco trouxe qualquer novidade, além da repetição das ameaças ministeriais, de que o Brasil acabará se a reforma não
passar do jeito que está. Por seu turno, os representantes da Oposição e dos trabalhadores se mostraram destituídos de informações mínimas sobre números da previdência para poder debater a tal economia de um trilhão de reais.

A complexidade do assunto emudece políticos, atrapalha acadêmicos, afasta o interesse de empresários, confunde comentaristas econômicos e engana a mídia em geral. No entanto, a questão da previdência é central, não só para as finanças públicas, como alega o governo mas, sobretudo, é essencial para os brasileiros que, em sua absoluta maioria, apenas contam com suas contribuições previdenciárias como poupança na velhice ou na invalidez para o trabalho.

O governo tem colocado na propaganda oficial que “o sistema previdenciário” é altamente deficitário, como se o buraco anual de R$265 bilhões proviesse da insuficiência de contribuições de dezenas de milhões de segurados do INSS urbano, a turma da carteira assinada. O argumento torto coloca o INSS como
responsável pela desgraça nacional. Só que as fontes desse rombo provêm de elementos estranhos ao INSS contributivo, aquele em que o empregado e patrão contribuem para o benefício futuro. Não é nada disso. A previdência rural, esta muito pouco contributiva, respondeu por R$113 bilhões de déficit, quase metade
do rombo total em 2018. Mas o relator da reforma avisa que não vai fechar torneira do déficit rural.

Prosseguindo, topamos com as previdências subvencionadas do MEI e do Simples que, somadas à assistência a idosos, deficientes e inválidos (BPC), obviamente não contributivos, vertem outros R$90
bilhões de déficit, em números redondos. Ninguém quer mexer nisso.

Finalmente, computa-se erradamente o rombo dos servidores federais, civis e militares, da ordem de R$70 bilhões, como se este fizesse parte do déficit da previdência do trabalhador comum. Mas os regimes especiais dos servidores públicos são separados e distintos dos do setor privado. Como não há quem
queira mexer na conta dos grupos politicamente protegidos, os trabalhadores comuns, por exclusão, foram escalados para arcar com o déficit que não é deles.

Para o brasileiro que se preocupa em poupar para o futuro, o INSS não representará uma alternativa eficiente. O produto previdenciário que o governo pretende oferecer, se não fosse obrigatório, seria incapaz de atrair contribuintes voluntários. Não há poupança nem confiança nesse sistema oficial, porque o
INSS permanecerá sem capital ou proteção financeira, ferindo orientação estabelecida no artigo 250 da Constituição Federal, que prevê o equilíbrio atuarial e capitalização progressiva do chamado regime geral.

Note-se bem: a Constituição manda capitalizar o INSS, não falando de criar uma “nova” previdência de capitalização, ao estilo chileno, como cogita o governo.

Em oposição ao comando constitucional, a proposta atual agravará a relação entre contribuições e benefícios de todos os segurados do INSS, prevendo mais anos de contribuição e maior custo total para o participante, de modo a deixar um saldo positivo a favor do governo em relação aos pagamentos de benefícios. E
isso vale para todas as faixas de renda salarial. A previdência do trabalhador comum virou uma caderneta de poupança para o governo, o que nos leva à conclusão inevitável: a proposta de reforma, se não for revista, criará um novo “imposto de renda” não legislado pelo Código Tributário Nacional. Tal contingência bilionária será judicializada, prejudicando os orçamentos futuros.

A pressa de votar qualquer coisa, na convicção de que a economia irá ressuscitar do coma quando da aprovação da reforma, trará uma surpresa bestial. Primeiro, porque o ganho financeiro da reforma, além de não render sequer metade do trilhão de reais previsto, só terá alguma repercussão no caixa do governo depois do atual mandato presidencial. Mais importante, porque há um equívoco redondo em atribuir apenas à previdência um desequilíbrio financeiro e fiscal que provém de TODAS as contas do orçamento federal, dos altos salários, dos juros exorbitantes, dos custeios ineficientes, dos investimentos descontinuados.

A economia sangra hoje pela improdutividade geral do governo, não apenas pela má qualidade do produto previdenciário oferecido pelo poder público. E o Brasil do futuro permanecerá mais morto do que vivo.

(*) Paulo Rabello de Castro é economista e presidiu o IBGE.