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Todas as fichas num único cavalo?

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Fere nosso senso comum achar que a economia brasileira se encontre travada – como, de fato, está! – em decorrência de um único fator de paralisia, o déficit da Previdência social. Mas este é o insistente argumento da equipe econômica, desde o primeiro dia do governo. Ainda na semana corrente, o encarregado da Receita Federal repetiu que o Executivo está concentrado no esforço de aprovar a reforma da Previdência para depois começar a falar de reforma tributária e outras medidas. A equipe confia que, em mais sessenta dias, a tramitação da sua reforma preferida esteja concluída na Câmara e no Senado.

O calendário de junho e julho, a cujas tradicionais festas nossos deputados não podem deixar de comparecer em suas bases eleitorais, mais as férias parlamentares, tudo conspira contra se apostar todas as fichas na rápida aprovação da PEC previdenciária. O mercado faz contas de rabo-de-cavalo sobre o PIB em 2019. O crédito e as arrecadações estaduais seguem retraídos. O Brasil está em estado de “recessão espiritual”.

Talvez por certa inexperiência no trato da gestão pública, o presidente e seus principais ministros desconheçam o estrago político que enfrentarão, nos próximos meses, caso sua aposta concentrada na previdência não se traduza em reversão do quadro recessivo já desenhado no horizonte. O Brasil sempre convive mal com estagnação e desemprego crescente.

Desde os anos 1970, sou testemunha de como o desapontamento com uma economia estancada faz rolar cabeças e derrete a popularidade de líderes políticos. Geisel, Figueiredo, Sarney, Collor, FHC e Dilma que o digam. O país nunca perdoou a falta de crescimento, até porque é por meio do bom giro dos negócios que a população consegue se virar nas contas do mês e o empresário enfrenta os impostos em cascata, a folha de pagamentos, os fornecedores e os bancos.

A má notícia da atualidade é que a aprovação da reforma da Previdência, por si, não trará qualquer mudança, por menor que seja, no panorama recessivo que ora enfrentamos. Custa crer que tanta expectativa de reversão da economia esteja lançada sobre um único setor, a Previdência, cuja arrecadação é 100% dependente da própria recuperação do nível de emprego, que agora capenga. De onde virá o tal trilhão de reais salvador da pátria, senão do aumento das contribuições previdenciárias? Mas essas contribuições dependem da base da arrecadação do INSS, que é o trabalho com carteira assinada. Então, como justificar a aposta concentrada do governo na única reforma cujos efeitos são defasados no tempo e só se medem após anos decorridos das mudanças?

Sem qualquer renda extra, o consumidor continuará retraído. E sem um quadro tributário e financeiro mais claro, os investidores pedirão licença para aguardar um pouco mais. Em qualquer situação recessiva, como nesta em que nos metemos, um forte estímulo vindo de fora do circuito interno da economia se faz necessário para reacender a chama da circulação dos negócios. De um lado, mais investimentos públicos são urgentes, atuando em vários pontos do disperso território nacional. Mas temos tido, pelo contrário, retração de novas obras e o orçamento deste ano permanece contingenciado nos investimentos para poder enfrentar gastos correntes que não param de crescer.

Vivemos o quadro inverso ao desejável: menos investimentos e expansão do gasto corrente. E, do lado financeiro, o quadro de juro alto, em termos reais, é igualmente danoso para qualquer retomada de atividades. Apesar de mais baixos, em número absolutos, o juro Selic e o custo dos empréstimos bancários seguem elevados demais para termos chance de sair da recessão. Pior ainda, a concessão de crédito nos bancos públicos se retraiu à espera de mais oferta de dinheiro nos bancos privados, sem qualquer sinal de que isso venha a acontecer nos próximos meses.

As saídas do impasse precisam ser pensadas sem recurso a doutrinas ou crenças pré-concebidas. O diagnóstico da crise, que já se espalha por cinco anos recessivos, não tem cabimento no segmento exclusivo da previdência social. Aliás, no campo do INSS, ou seja, na previdência contributiva dos trabalhadores urbanos, a receita de contribuições ainda superou os benefícios pagos até 2018, tendo mantido saldo de caixa positivo durante toda a crise. O buraco previdenciário está noutras contas. As raízes do desencanto nacional são múltiplas e não serão vencidas com pensamento único, por mais iluminado que possa parecer.

*** Paulo Rabello de Castro é economista e acompanha a economia brasileira há 50 anos.