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Sob o fogo amigo

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Carlos Castelo Branco, o mais respeitado colunista político do país, que manteve no JORNAL DO BRASIL, por 31 anos, de 1962 até sua morte, em 1993, a famosa Coluna do Castelo (que às segundas-feiras tinha o nome de Coisas da Política), costumava brincar durante as viagens do presidente Sarney ao exterior que “a crise viajou com o presidente”. Com a capacidade de dizer, mesmo sob a censura da Ditadura, tudo nas entrelinhas, com o estilo inconfundível que o levou à ABL, Castelinho insinuava que o próprio José Sarney, um presidente de ocasião (vice de Tancredo, que nem tomou posse), era a crise.

Agora, o presidente Jair Bolsonaro se supera. Em suas viagens ao exterior alimenta a crise de fora para dentro. Como disse o ex-ministro Delfim Netto, um eleitor de Bolsonaro, no 2º turno, “em legítima defesa”, o “presidente chega a atravessar a rua para escorregar em casca de banana na calçada do outro lado”...Como o seu governo não tem articulação política (desdenhada pelo próprio presidente), quando viaja, a crise é realimentada por ele mesmo.

Isto ficou claríssimo esta semana quando, em suas redes sociais, Jair Messias Bolsonaro reproduziu, do Texas (EUA), como que assinando embaixo, um longo texto de autoria do funcionário da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Paulo Portinho, membro do Partido Novo. Portinho, derrotado nas eleições para vereador no Rio de Janeiro, em 2016, disse que o Brasil era um país “ingovernável” fora de “conchavos políticos”.

Acontece que desde 1º de janeiro de 2019 a pessoa de Jair Messias Bolsonaro é indissociável da figura do presidente da República Federativa do Brasil. Não adianta Bolsonaro dizer que não “nasceu para ser presidente”. Já comentamos aqui que apenas na Monarquia herdeiros do trono nascem para serem reis. Na democracia presidencialista ou no parlamentarismo, a negociação política pelo Executivo é a chave da governabilidade.

É verdade que o regime presidencialista brasileiro, com a fragmentação partidária existente (34 partidos oficialmente registrados no TSE têm assento no Congresso), não é comparável ao americano ou ao argentino. A Constituinte de 1986-88 foi desenhada para um regime parlamentarista. Mas, na última hora, o presidente da Câmara e da Constituinte, Ulysses Guimarães, pôs em votação proposta para que houvesse plebiscito, cinco anos após a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, para decidir se haveria uma República ou uma Monarquia e se o regime seria presidencialista ou parlamentarista.

O parlamentarismo conheceu sua 2ª derrota (a outra fora 30 anos antes, em 1963), mas a figura da Medida Provisória, instrumento típico dos regimes parlamentaristas, ficou. E sua aprovação exige articulação política para formação de base de apoio ao governo. Nenhum governo eleito, num quadro partidário fragmentado como o brasileiro, terá condições de formar maioria simples ou de 3/5 para aprovar Leis e matérias de interesse da administração sem forte articulação política. Que muda a cada matéria.

Com 27 anos de atuação como deputado federal, Jair Messias Bolsonaro sabia perfeitamente das regras do jogo da política brasileira. Já era hora de descer do palanque e mostrar serviço no governo, na gestão da articulação política no Congresso para aprovação das principais medidas.

Na semana anterior, por falta de articulação, houve derrotas importantes. Nesta semana, o próprio presidente estimulou a desordem, com o reconhecimento da ingovernabilidade. De pouco adianta falar que passou o texto a meia dúzia de pessoas. Se não consegue controlar as postagens dos filhos, que falam em “bomba atômica”, como conseguir a fidelidade de quem recebeu a postagem a milhares de quilômetros de distância?

Como o ministro da Economia, Paulo Guedes - que articula a principal frente de batalha do governo, a reforma da Previdência - viajou junto ao Texas, ficou a sensação de vazio de poder. O pessimismo tomou conta da área econômico-financeira, com indicadores negativos nas atividades e no emprego, ante um passivo Banco Central, sem confiança de forçar a baixa dos juros bancários para reativar a economia, face as incertezas da potência fiscal da reforma.

O dólar atingiu a maior cotação desde que a candidatura Bolsonaro se desenhou vitoriosa e o Ibovespa voltou a níveis de dezembro, em sinais claros de profunda decepção dos eleitores anti PT que votaram em Bolsonaro acreditando estarem com uma boia de salvação. Vale lembrar que no naufrágio do Titanic a maioria morreu de hipotermia, nas águas geladas do Atlântico Norte. A demora do socorro foi fatal.

O fogo amigo de Bolsonaro contra seu próprio governo, a cada dia mais improvisado, diante de sucessivas trocas em áreas sensíveis, como educação, meio-ambiente, cultura e direitos humanos, lembra um velho quadro da “Boate do Ali Babá”, humorístico da extinta TV Tupi.

O ator Mário Tupinambá, mais conhecido na TV Globo como o deputado "Camarão", na “Escolinha do Professor Raimundo” original, fazia o papel de um político carioca que adentrava a boate e era cercado pela imprensa com cobranças. Era época do Estado da Guanabara, no município do Rio de Janeiro, após a transferência da capital federal para Brasília. E o velho combatente da oposição, se antecipava às perguntas e falava com eloquência:

-Se falta água nesta cidade, de quem é a culpa? É do goveeerrrno, emendava; Se não temos iluminação pública, de quem é a culpa?, seguia a ladainha, com a pronta resposta: “é do goveeerrrno”. Nisso, um assessor cochicha em seu ouvido (“agora o governador é o senhor”) e o velho político de oposição exclama: “Oh diabo, chega de oposição!” Para quem não está ligando o nome ao personagem em questão, tratava-se do então governador Carlos Lacerda.

Quando o governo se aproxima dos 150 dias, está mais do que na hora de Jair Bolsonaro abandonar as trincheiras da oposição, onde bombardeia até seu próprio governo, e tratar de liderar a articulação política nas questões mais importantes. Nem ele nem seus filhos, quando atiram tuítes ou mensagens nas redes sociais estão num estande de tiro, com alvo fixo à frente. As balas perdidas deste fogo amigo estão atingindo o próprio governo, a confiança dos agentes econômicos, dos investidores e dos 55% de cidadãos que o elegeram no 2º turno. Os que nele votaram por “auto-defesa” já estão à procura de botes salva-vidas, temendo o naufrágio precoce.