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Tigrão ou Tchutchuca? A reforma previdenciária (III)

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Ao descambar para o lado pessoal, o embate entre o ministro da Economia e o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) se desviou do lado mais interessante, que seria aprofundar o tema das DESIGUALDADES FLAGRANTES entre as categorias profissionais e setores de atividade na reforma previdenciária. A provocação do parlamentar paranaense, sobre ser o ministro um tigrão ou tchuthuca, apesar de mordaz, escondia, não a ofensa, mas uma pergunta: com essa proposta do governo teremos, afinal, um Brasil mais igual ou ainda muito desigual na hora de os brasileiros se aposentarem? É esta a questão que todos querem ver bem respondida e não está nada clara na versão atual da reforma. Quanto a ser tchutchuca (observem que o bom ministro não refutou a alcunha de tigrão) talvez devesse ele responder com uma sonora gargalhada...Mas já era muito tarde, todos cansados, e ninguém, inclusive o próprio Zeca, deve ter percebido o alcance maior da pergunta.

O Congresso já se prepara para reinterpretar a reforma do governo ao seu modo, por mera intuição, sem fazer contas que aborrecem os parlamentares. Querem excluir os “assistidos” do campo e da cidade (BPC) do texto reformista. A intenção faz até sentido, visto que essas duas categorias são de beneficiários não-contribuintes diretos. Os aportes parafiscais de trabalhadores rurais e informais urbanos existem sim, mas ninguém os contabiliza como tal. Por isso, o futuro equilíbrio previdenciário geral NUNCA deveria incluir as categorias rural e informal urbana. Trataremos desse tema crucial noutra oportunidade. Aqui importa registrar que o Congresso precisa ser informado sobre quanto perdem as categorias profissionais, uma a uma, abrangidas pela reforma. Com os números na frente, os parlamentares e a opinião pública poderão enxergar melhor quanto cada segmento profissional irá pagar, a mais, para que o governo se aproxime do seu ganho de R$1 trilhão, em dez anos. E também responder à pergunta principal: será que os “russos” vão querer arcar com mais essa conta?

O economista Manuel Caldas, destacado discípulo do grande Mario Henrique Simonsen, está ultimando um estudo pelo Instituto Atlântico que ajuda a desvendar parte do mistério das desigualdades contidas na proposta previdenciária. Alguns resultados da pesquisa já emergem em primeira mão: 1) TODOS perdem algo na reforma e só os governos ganham; portanto, não é uma reforma que, por si mesma, traga mais PIB e empregos; 2) o “povão”, ou seja, os aposentáveis pelo INSS, logo a maioria, continuaremos a pagar mais do que receber, e essa conta negativa de perda líquida, na aposentadoria, sempre fica maior à medida em que o salário e o tempo de contribuição vão subindo; 3) os empregadores (patrões) do setor produtivo, que recolhem sobre a folha completa, são os que mais continuarão perdendo, mesmo que descontem parte dos recolhimentos ao valor bruto dos salários pagos (um desastre para o mercado de trabalho, que o deputado Zeca não terá percebido); 4) os servidores públicos certamente perderão algo com a reforma mas, de longe, a grande maioria ainda levará para casa, ao se aposentar, um valor superior ao contribuído na vida útil. A conta de ganho líquido entre contribuições pagas e benefícios recebidos, postos na balança em situações comparáveis, revela um servidor público tendo um saldo previdenciário positivo, ao longo da vida, em torno de R$350 mil, isso na faixa de cinco salários na ativa. O trabalhador de INSS, na mesma faixa, deixa o dobro disso na mão do governo entre o que pagou e o que virá a receber, computando a contribuição do seu empregador.

As desigualdades dentro da proposta são inúmeras e sua revelação prejudicará a força do recado do governo, que é aprovar uma reforma que lhe garanta, a ele, um ganho fiscal relevante. Mas o diabo está também nos detalhes. Quantos novos trabalhadores estarão dispostos a se formalizar no setor produtivo se tiverem a intuição de que o tratamento dado a eles na reforma está mais para tigrão do que para tchuthuca? Uma última palavra: nem tigrão nem tchutchuca, nosso ministro é pessoa do bem, corajoso, e técnico dos melhores.

(*) Paulo Rabello de Castro é economista e autor. Escreve regularmente sobre previdência. Fundou e presidiu o Instituto Atlântico