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Um elogio, duas dúvidas e uma pergunta

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Dois dias antes de completar o primeiro aniversário, a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes, seu motorista, começa ser desvendada. Foram presos um PM reformado e um ex-PM, apontados como os dois executores do crime. Faltam, claro, que sejam presos os mandantes e que sejam elucidadas as razões do assassinato. Ou alguém acredita que um matador profissional passou três meses estudando os passos de sua próxima vítima para matá-la por diletantismo. Ou que ele a matou porque não gostava de “gente de esquerda”.

Esse homicídio não foi mais um, dentre tantos que ocorrem no Brasil. A gravidade de assassinatos políticos vai muito além da morte das vítimas. Os tiros atingem a democracia. Mostram que a luta política está sendo travada de forma inaceitável. São um retrocesso no processo civilizatório.

A equipe da Polícia Civil do Rio que desvendou o assassinato está de parabéns. Como informou à imprensa o delegado responsável pela Divisão de Homicídios, Giniton Lages, foi um trabalho de investigação penoso, que demandou um enorme esforço, procedimentos sofisticados e uso de alta tecnologia.

Pois bem, passadas as congratulações, restam algumas dúvidas.

A primeira delas: como vazou a operação que prendeu os dois PMs bandidos?

Como, por razões legais, a polícia não pode entrar em residências antes das 6h da manhã, os assassinos deixaram suas casas de em torno das 4h da madrugada. Eles tinham sido avisados da operação que os prenderiam. Ao sair, porém, caíram nas mãos da polícia, que estava a postos desde as 3h. É que, desconfiados de que a operação poderia ter vazado, os policiais chegaram cedo...

Embora possa ter ocorrido, é difícil pensar que uma investigação delicada como essa e levada com tanto profissionalismo não compartimentasse as informações sobre a operação que prendeu os dois matadores. O mais provável é que seus participantes só tenham sido informados no momento em que ela aconteceu. É também provável que até seus celulares tenham sido recolhidos, por precaução. Pelo menos, em geral as coisas funcionam assim.

Se essas precauções foram tomadas, a explicação para o vazamento é que ele ocorreu “para cima”, a partir de quem, na cadeia de comando, era superior hierárquico aos comandantes da investigação. Pela relevância da operação, não seria absurdo que os ocupantes dos cargos superiores tivessem sido informados da prisão iminente dos dois matadores. Eles seriam o secretário da Polícia Civil e o governador.

Claro que não se pode acusa-los de ter vazado a operação. Seria uma leviandade.

Mas, então, vem a segunda dúvida: por que a diretor da Divisão de Homicídios, Giniton Lages, foi afastado abruptamente do caso no dia seguinte às prisões, se seu desempenho tinha sido tão elogiado que até o governador, em seu exibicionismo, tinha até levado o anúncio das prisões para o Palácio?

A justificativa de que Giniton já tinha “cumprido a sua missão” é pueril. Acredita nisso quem acreditar em Papai Noel e no coelhinho da Páscoa. Afinal, em se tratando do caso Marielle, falta o mais importante: os mandantes do crime.

O governador Witzel anunciou que Giniton partirá imediatamente para a Itália para fazer um curso sobre o combate à máfia. É estranho. Fica a impressão que o que se quis mesmo foi tirá-lo das investigações.

Tudo fica, ainda, mais estranho quando se lembra que Witzel festejou o assassinato de Marielle, em cima de um carro de som, ao lado de dois parceiros trogloditas que exibiam, em festa, a placa com o nome da vereadora partida em dois pedaços.

O governador não esconde seu apreço por Bolsonaro e suas teses. E, diante de tudo isso e depois que as investigações chegaram a integrantes de grupos de extermínio, próximos à família Bolsonaro (claro que tudo pode ser coincidência!), é oportuno lembrar o discurso de um certo deputado no plenário da Câmara em 12 de agosto de 2003, quando se tentou abrir uma investigação sobre um grupo de extermínio que agia no Bahia.

“Quero dizer aos companheiros da Bahia — há pouco ouvi um parlamentar criticar os grupos de extermínio — que enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para eles na Bahia, podem ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu estado só as pessoas inocentes são dizimadas.”

O autor desse discurso foi o então deputado Jair Bolsonaro.

Por fim, a terceira dúvida: foi proposta a abertura de uma CPI na Câmara; a bancada bolsonarista vai apoiá-la?