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Vice sempre teve histórias a contar

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Primeiro, é preciso não esquecer que os vice-presidentes são autores, intencionais ou acidentais, das páginas que compõem metade da história republicana brasileira, dado mais que suficiente para evitar o equívoco de serem relegados a plano secundário; principalmente nos momentos críticos. Vem a propósito, quando alguns têm estranhado o protagonismo do general Mourão, vice de Bolsonaro, mas amparado pela Constituição de 1988, em seu artigo 77, que prevê, além da responsabilidade de suceder ou substituir, o exercício de missões especiais, toda vez que isso for da conveniência do titular. No caso presente, quando se fala de sua intimidade com a crise da Venezuela, concorre o fato de ter sido adido militar em Caracas. Os que alimentam preocupações acostumaram-se a identificar o eventual substituto com momentos dramáticos da politica, o que é verdade. Mourão não é o primeiro a ser jogado em cena.

A República ainda engatinhava de cueiro, e o primeiro vice, Floriano Peixoto, acusou Deodoro de não convocar eleição, e ajudou a derrubá-lo; mas acabou cometendo o mesmo erro que vira no antecessor. Primeiro capítulo de uma longa novela, em que os vices assumiram o poder em 32 ocasiões, somando quatro anos e 73 dias. Idade nunca constituiu problema, tanto para João Goulart, que tinha 38 anos, quando Juscelino foi ao Panamá; nem para Nélson Caneiro, presidente do Senado, aos 80 anos, na viagem de Sarney ao Uruguai em 1990.

Episódios em que esses eventuais foram além dos limites acabaram contribuindo para estimular defensores da tese de que eles são totalmente desnecessários. Se o presidente viaja ou adoece, convoque-se o senador que estiver no comando do Congresso. Foi o que levou Jefferson Péres a patrocinar a PEC 44, de 2003, extinguindo o cargo, tomando-o como inútil, além de ser, de certa forma, um usurpador, pois elege-se na carona do presidente... O representante do PDT amazonense morreu sem que sua ideia fosse levada a sério. Tinha em mente que, salvo exceções, o vice é permanente conspirador, que não quer se sujeitar ao papel de pneu estepe do carro presidencial. O único emprego que, para prosperar, é preciso que o chefe morra Nos Estados Unidos, John Adams foi mais cáustico: "é o mais insignificante cargo da criatividade humana".

O vice só é útil se for inútil, atacam os críticos. Contra estes, levanta-se José Sarney, que, companheiro de chapa de Tancredo Neves, tornou-se recordista mundial, pois ficou com os cinco anos que seriam do presidente morto prematuramente. Superou o campeão, Andrew Johnson, que herdou três anos e 11 meses de Lincoln. Para Sarney, a função a que foi chamado pode ser comparada a um salva-vidas nos mementos de crise. Também seria nosso o troféu mais curto, em 1955, quando Carlos Luz assumiu por apenas três dias.

Velhas rusgas

Sem novidade quando se diz que presidentes e seus eventuais substitutos cultivaram maus humores, afora o já citado temperamental Floriano. Não se tem notícia disso sobre as relações Bolsonaro-Mourão. A tradição alimenta a ideia de que o vice tem "olho grande", e quer subir o degrau de cima. Se não para todos, foi verdade no caso de Manoel Vitorino, que aproveitou grave enfermidade de Prudente de Morais para, em poucos dias, alterar quase todo o ministério e mudar a sede do governo. Café Filho manteve o ânimo de conspirar contra Getúlio, e subiu à presidência na tragédia do suicídio. Os dois vinham nutrindo antipatias, estas, aliás, sempre facilitadas quando presidente e vice podiam ser eleitos em chapas diferentes, contrariamente à norma hoje adotada.

Desencontros são antigos. Nos casos mais recentes, não são esquecidas as cenas de João Figueiredo e Aureliano Chaves, que estavam "de mal" em solenidade militar; ou os arranhões entre Collor e Itamar Franco. Casos assim, somados, levam a concluir que fazem parte do show da política.

" Meu vice é uma criatura maravilhosa.

Raramente aparece por aqui"

(atribuída a Hermes da Fonseca sobre Venceslau Brás)

Tags:

política | vice