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Laranjas na vida de Bolsonaro

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Quem escreve sobre o governo Bolsonaro corre um risco: ver o texto ficar desatualizado por uma nova trapalhada. Aconteceu comigo: ia falar da desmoralização de Ernesto Araújo, indicado para chanceler pelo astrólogo Olavo de Carvalho e avalizado por um dos filhos do presidente (não sei se o 01, o 02 ou o 03), e depois entrar no assunto central deste artigo, mas fui atropelado pelos fatos.

Araújo queria uma guerra do Brasil com a Venezuela, mas a aventura foi brecada pelos militares (que, a cada dia, ganham força no governo, até porque são reacionários, mas não loucos). Ao chanceler sobrou a humilhação. Não o deixaram falar pelo país na reunião do Grupo de Lima em Bogotá. O papel foi dado ao vice-presidente, general Hamilton Mourão.

Logo, porém, o assunto Araújo ficou velho. O ministro da Educação, Ricardo Vélez, voltou à berlinda ao determinar que, nas escolas, os estudantes cantassem o hino nacional, e gritassem o slogan de campanha de Bolsonaro: "Brasil acima de todos. Deus acima de tudo". Mandou que a cena fosse filmada e as imagens, enviadas ao MEC. Não sei se semelhanças com a Alemanha nazista podem ser consideradas mera coincidência.

O mal-estar foi tamanho que Vélez recuou. Reconheceu não ter o direito de filmar as crianças sem a autorização dos pais e admitiu que não era de bom tom o uso de um slogan de campanha eleitoral nas escolas. Mas - pasmem - só fez isso após ser criticado até mesmo por aquela gente do tal "Escola Sem Partido".

Um parêntese. Em nome da honestidade jornalística, deve ser dito que não procedem as informações de que as crianças seriam obrigadas a fazer com as mãos o gesto das arminhas, tão a gosto do presidente, de seus filhos e dos amigos milicianos.

Mas, dizia eu, ia entrar no assunto central da coluna de hoje quando li que Bolsonaro, numa cerimônia em Itaipu, elogiara Alfredo Stroessner, um sanguinário e corrupto ditador que dominou o Paraguai durante 35 anos, de 1954 a 1989. Mas resolvi me conter. E me abstenho de comentar essa nova contribuição do presidente à história.

Vamos ao tema desta coluna, então: Bolsonaro e as laranjas. Diante da profusão de sandices ditas a cada dia pelo presidente e seus ministros, há quem faça previsões do tipo: "ele não chega ao meio do ano" ou "não chega ao Natal".

Não penso assim.

Bolsonaro é, claro, despreparado. Alguns ministros são idiotas completos. Não serviriam para síndicos. O "ideólogo" do governo, Olavo de Carvalho, é caricato.

Há, porém, dois fatores a considerar.

Primeiro, Bolsonaro foi uma espécie de cavalo de Troia para um grupo de generais voltar ao poder. E desta vez com legitimidade, pelo voto. O presidente tem popularidade e, por isso, serve aos militares que mexem os pauzinhos do fundo do palco.

Depois, seu programa econômico foi assumido pelos militares, que já não têm mais projeto para o país, limitando-se ao discurso contra a esquerda e a reivindicações corporativas. E é o programa do chamado mercado - nome-fantasia dos grupos econômicos que dão as cartas, em especial os bancos. A popularidade do presidente ajuda a aprovação de suas medidas, que nada mais são do que uma enorme transferência de recursos públicos para o grande capital e a retirada de direitos dos trabalhadores. Portanto, há, sim, quem queira Bolsonaro na Presidência. Não são só eleitores iludidos.

Mas, não bastassem os "rolos" dos filhos e o laranjal que é o seu partido, o PSL, Bolsonaro tem no cangote um vice de olho na sua cadeira. Já houve quem o comparasse ao jogador Cristiano Ronaldo, que comemora cada gol apontando para o próprio peito e gritando: "Eu estou aqui!"

É o que faz Mourão, a cada trapalhada de Bolsonaro. Faz o contraponto, como se dissesse "eu estou aqui".

No entanto, enquanto o presidente estiver prestando bons serviços à volta dos militares ao poder e à aprovação das "reformas", ele não cai.

Mas, se fracassar, a começar pela reforma da Previdência, adeus. Será logo descartado como laranja (ôpa, de novo a maldita palavra) chupada.