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De volta ao udenismo?

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A prioritária tramitação da reforma da Previdência, que já cobra esforço hercúleo para ser aprovada até junho, pode ter arrefecido, mas não imobilizou os planos do governo de organizar um partido com suficiente nitidez, capaz de representá-lo e sustentá-lo nos embates que estão por vir e que não tardarão. Algo diferente do cenário atual; com acentuada diferença em relação à maioria dos atuais, autodegradáveis, como se fossem tomates em gôndulas de supermercado, com prazo válido para o consumo.

Antes mesmo de se instalar, o atual governo sentia que o modelo dos partidos brasileiros caracteriza-se por incrível fragilidade, tratando-se de estrutura de representação, ainda que possam ter alguma força e influência no poder. Em cada eleição eles perdem um pouco do protagonismo; exemplo mais recente é o PSL. Há cinco meses poderosíssimo, subiu à presidência da República, mas logo começou a ser descartado, por insuficiência para garantir base ao Executivo; sem fôlego para surfar na maré alta que ameaça os projetos bolsonaristas.

Interessante é que o presidente, já em cima da hora para contar com estruturas políticas sólidas, à procura de abrigos políticos menos susceptível às tempestades, resolve mexer na História, e parece animado a remover a poeira em que jaz a velha e fleugmática UDN - União Democrática Nacional, tão direita como ele e uma expressiva cota dos que o elegeram. Sem desconhecer que ela tem, de fato, algo a ver com o momento político criado pelas urnas de outubro, com tendência nitidamente direitista. A se confirmar o projeto de exumação do jeitão udenista, o governo poderá, então, ambicionar uma frente de apoiamento e continuar se opondo às correntes de esquerda, naturalmente comandadas pelo PT.

Se desse projeto não desistir, o presidente Bolsonaro precisará trabalhar para extirpar da nova UDN a herança da vocação conspiratória, que, em outros tempos, a colocou contra Vargas, postulando sua queda em 45, depois na crise de 54, que levou o presidente ao suicídio; em seguida, quis impedir a posse de Juscelino, deserdou Jânio Quadros, que ajudara a eleger. E, sem interromper essa tradição, assumiu papel saliente na derrubada de João Goulart, a despeito de contar em suas fileiras com figuras preeminentes de liberais legalistas.

Os parentes

Em política - por que haveria de ser diferente de qualquer outra atividade humana? - os parentes, quando muito próximos, costumam provocar constrangimentos, mesmo se a proximidade for entendida como resultado apenas de confiança familiar. Mas, independentemente do confiar, os problemas vêm, ainda que muitas vezes pelo sincero desejo de ajudar.

Nesse particular, em relação, por exemplo, a descuidados filhos, o presidente Bolsonaro deve dizer como aquele orgulhoso e rico pai, que sua prole, aos atropelos, tanto procurava ajudá-lo: "os filhos não sabem o mal que nos fazem com o bem que nos querem fazer". Quando um filho de Lula, com engenhosidade, tornou-se milionário entre o dia e a noite, foi sobre o pai que a oposição despejou os ataques.

Não há família sem algo a complicá-la ou constrangê-la, como relevam as leituras do passado. Nem os heróis escaparam. Duque de Caxias, notabilizado como um dos heróis brasileiros, nunca fez questão de dizer que era sobrinho de dona Bernardina Quitéria, mulher de Silvério dos Reis, que traiu Tiradentes e o mandou à forca Coisas velhíssimas. A alegoria bíblica lembra que o primeiro filho a criar problema para o Pai foi Adão, que com Ele romperia um pacto ético-moral. Muitos séculos mais tarde, na Roma colossal, o filho adotivo Brutus envergonhou o pai, apunhalando-o pelas costas.

Nos redis familiares há sempre lugar para uma ovelha negra.

"Pra gente, parente decente só o dente"

(do folclore rural)