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Não faz mais do que a sua obrigação

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Antes mesmo da proposta de reforma da Previdência ter o martelo batido pelo presidente Jair Bolsonaro, na quinta-feira, já pululavam, aqui e ali, restrições sobre a proposta do ministro Paulo Guedes. Não poderia ser diferente. Os já aposentados, os que estão em vias de e outros milhões, dos atuais 209 milhões de brasileiros que vão envelhecer e terão de passar a essa nova fase da vida, todos têm interesse direto, indireto ou futuro no tema. Que não é muito diferente na Europa, na Ásia, África ou nas Américas.

A humanidade vem aumentando a expectativa de vida e com isso os regimes previdenciários ficam esgarçados. Oficialmente a aposentadoria surgiu no Brasil com a Lei Elói Chaves, que criou em 1923 as Caixas de Aposentadorias e Pensões. Quando Getulio Vargas, que tinha sido ministro da Fazenda de Washington Luis e conhecia as finanças públicas, assumiu o poder nos anos 30 e criou a Previdência, com os diversos institutos, os homens se aposentavam com 55 anos e as mulheres com 45. Mas a expectativa de vida ia aos redor dos 58/59 anos para homens e um pouco mais para mulheres.

Note-se que era uma época de endemias, com altas taxas de natalidade, mas também de mortalidade infantil (por falta de vacinas, com mais de 60% da população vivendo no campo). Hoje, a taxa de natalidade está, na média, abaixo de 1% ao ano. A mortalidade infantil baixou significativamente. Com 85% da população nas cidades, a falta de saneamento básico, o desemprego, a fome e as drogas, quem escapa dessas e outras tragédias tem expectativa de vida acima de 78/80 anos. A depender dos estados - mais no Sul, principalmente em SC, menos no Norte e Nordeste; mais na cidade e menos no campo.

De qualquer forma, o que está claro é que hoje o tempo que um homem ou uma mulher brasileira pode viver na aposentadoria multiplicou por duas ou três vezes o período original da criação dos Iapis e Iaptecs da era Vargas. Como ninguém teve uma caderneta de poupança individual garantindo o seu pecúlio (o caixa da Previdência é como o de um condomínio - quase sempre deficitário, que exige cotas extras), a Previdência (do INSS e do regime próprio dos servidores civis da União, estados e municípios, além dos militares) é um saco furado há décadas.

Reformar a idade mínima é mero ajuste atuarial, insuficiente. Lembro de conversa que tive, em 1992, com o falecido governador de Santa Catarina, Wilson Kleinubing. Ele advertia que todos os estados (e a União) quebrariam por causa das despesas de aposentadoria: "Imagine uma professorinha que começa a ensinar aos 20 anos e se aposenta aos 45 anos. Não importa se o estado fez reserva ou não, mas aqui em Santa Catarina a expectativa de vida já é de 75/76 anos (hoje supera os 80). Ela deu 25 anos de serviços ao Estado e vai receber durante mais de 30 anos. A conta não fecha. Todos vão quebrar". O desenho, feito à época, hoje tem um rombo geral de R$ 260 bilhões na União.

Na verdade não são as professoras ou professores os maiores causadores do rombo. Há as fraudes. Há as dívidas, argumentam auditores do antigo INSS, há alguns anos absorvidos pela Receita. Se essas dívidas fossem viáveis de ser executadas, seria o caso de processar procuradores do INSS e da Fazenda Nacional por prevaricação. As dívidas se acumulam porque empresas quebraram e deixaram passivos incobráveis na maior parte dos casos. Há grandes bancos e empresas ainda devendo que se valem de ágeis bancas de advocacia.

Os procuradores públicos alegam que são desestimulados e que não têm participação percentual no valor recuperado. Mas eles têm estabilidade e altos salários, assim como os auditores fiscais, que estão no topo da pirâmide dos aposentados porque passam para a inatividade recebendo pelo último salário. No INSS se aplica uma média salarial retroativa. Claro que a conta não fecha e gera rombos. Ainda assim, os auditores já afiaram as facas para defender privilégios (não querem aumento de idade e tempo e percentual de contribuição) e soltaram notas informando apreensões de cocaína e madeiras na Amazônia nos últimos meses.

Não posso esquecer de meu pai, quando um dos oito filhos anunciava: "Tirei 8". "Não fez mais do que a sua obrigação", respondia o velho, procurador de Justiça que levava pilhas de processos para despachar em casa e até no Maracanã, acompanhando os irmãos mais velhos. Funcionário público que não cumpre o dever, prevarica e merece ser demitido. O que executa as funções, não faz mais do que a sua obrigação.