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Quantos assassinatos a menos?

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Sobrou direito e faltaram sociologia e psicologia na proposta de reforma penal do ministro Sérgio Moro. Esta semana Brasília recebeu atentos governadores e secretários de segurança para ouvir explicações em primeira mão do que é a proposta do novo ministro da Justiça para criar as condições de ataque efetivo à criminalidade e suas fontes principais de abastecimento no país.

O texto me pareceu bom - falo como um não especialista mas estudioso do tema - sob vários dos aspectos legais que o magistrado Moro domina completamente: o processo penal e a execução das penas, a reincidência, o abuso do direito de ampla defesa, o constrangimento a pessoas da lei que são puníveis só por puxar o gatilho, mesmo diante de riscos extremos.

A extensa proposta do ministro vai bem em tudo que abordou. É equilibrada e visivelmente bem calibrada, espantando o mau costume atual de a bandidagem de alto nível não ser punida nunca pelos crimes cometidos, quando protegida por muita grana e defendida por ótimos atravessadores do Direito.

Cobro da proposta, no entanto, o lado sociológico e psicológico na leitura das razões da enorme criminalidade nacional. Hoje a teoria prevalecente para explicar o crime doloso, em particular o homicídio com intenção de matar, é a percepção, pelo infrator, de que o crime compensa, pela chance muito baixa de punição rápida e eficaz, ponderada pelo peso leve da punição, uns poucos anos de cadeia por uma vida humana.

Em bom português, o castigo fraco e improvável justifica o delito na cabeça de muitos capazes de matar seu semelhante. Como tratar essa questão?

O ministro Moro tentou fechar várias portas do convite ao delito, tornando várias modalidades em crime hediondo, acelerando os julgamentos até a sentença executável e endurecendo a soltura. Mas o que dizer do momento “antes do crime”? O homicida em potencial sempre tem uma conta de custo-benefício, embora estúpida, na sua cabeça. E convenhamos, a nossa lei penal pega muito leve em relação ao homicídio intencional.

Não se mexeu na pena prevista por assassinato. O Brasil vive uma epidemia de matança fútil. Mata-se aqui por raiva, por ciúme, por ignorância, por vingança… Por que somos tão diferentes de outros povos e nos tornamos tão violentos? O brasileiro não é diferente do sueco. Os incentivos ao delito aqui são maiores. A prisão perpétua com trabalho compulsório deveria ser a pena no Brasil para quem mata outra pessoa, qualquer uma, sem razoável atenuante.

O Congresso brasileiro deveria emitir um sinal claríssimo sobre o que a sociedade pensa de um homicida. Assim começaria uma revolução contra o incentivo atual para matar. Esse me parece ser o elemento “psicológico” faltante no projeto de Moro.

Quanto à sociologia, é ler os dados disponíveis sobre quem mata mais. Dos 63 mil assassinatos em 2017, cerca de metade foi praticado por jovens pós -adolescentes, pobres, negros ou pardos, sem estudo nem trabalho. Muitos desses assassinos deram contribuição dupla ou tripla para essa triste e macabra estatística de vidas ceifadas a troco de nada: esses jovens, primeiro assassinaram e, em seguida, foram eles mesmos assassinados.

Em quanto o projeto enfrenta essa realidade tão brutal e complexa? A resposta exige mais do que rebaixar a maioridade penal, que também defendo, desde que acoplada a um robusto programa de educação com trabalho em centros de formação prática para desviar do crime, via mudança de incentivos, aqueles jovens cuja revolta íntima se mistura a uma coragem tola num coquetel que os embriaga rumo à morte precoce.

Ainda há tempo de prever um tipo de organização publico-privada voltada à meta de colocar, em 4 anos, um milhão de jovens de 15 a 18 anos em centros educacionais e de trabalho profissionalizante. A atuação dos Serviços Sociais patronais, hoje tão mal falada (injustamente) teria muito a colaborar em experiência acumulada nesse campo. Os programas de Jovem Aprendiz, idem.

Sei que o juiz Moro, agora ministro, é mais atraído por enfrentar e derrotar o crime organizado. Isso é essencial. Mas as estatísticas do crime no Brasil lhe invocam uma abordagem ainda mais forte, ampla e audaciosa.