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Ideias tiradas do chão

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Naquela tarde de setembro em que o candidato Jair Bolsonaro sofreu o atentado, seguindo-se grande tumulto, polícia e correrias, os correligionários acabaram deixando espalhados pelo chão milhares de panfletos de propaganda, nos quais liam-se propostas que ele aria cumprir, se eleito. Um desses volantes está à mão. O primeiro item ali inscrito é a promessa de trabalhar pela redução do número de deputados, coisa que o eleitor gosta de ouvir; mas, quando o assunto toca as raias da realidade, revela-se de difícil encaminhamento.

Ainda não foi possível saber se, agora eleito e empossado, ele mantém disposição para esse embate político, de onde, provavelmente, sairia desprestigiado pelo choque com os contrários. Pregava-se também, naquele dia, contra a reeleição, mas este é assunto superado. Fechou-se um ciclo em que ela se deu mal na História brasileira, onde nunca teve boa acolhida, desde Vargas, depois Fernando Henrique, Lula e Dilma. Todos inferiores na sua segunda passagem pela presidência.

É antiga a discussão sobre o número ideal de parlamentares, muitas vezes prevalecendo o consenso de que não há necessidade de serem 513. Nisso já se falava na década de 30, como se deu em uma das fugas do presidente Vargas para a fazenda São Mateus, onde apreciava descansar das pressões no Catete. Certa vez perguntou a Neca Venâncio, que tanto o divertia com suas tiradas pitorescas, a razão de defender a redução do número de cadeira na Câmara. Explicou o folclórico fazendeiro ser necessário economizar dinheiro: “é muito cachorro pra pouco osso”...

Não é questão para ser tratada com superficialidades, a começar por se constatar que nas bancadas legislativas o problema maior nunca foi a quantidade dos que estão ali; mas a qualidade deles. Ora, no item da qualificação a responsabilidade é do eleitor, quando vota mal. E maus eleitores sempre haverá, mesmo que o número de candidatos coubesse nas duas mãos. Ainda para contestar conclusões superficiais quanto à fartura de deputados e senadores, é necessário ponderar sobre os riscos da representatividade em um Legislativo muito reduzido; porque isso levaria a ampliar poderes nas decisões de poucos. O critério que temos (não há outro com maior eficácia) é construir as representações com base proporcional nos índices populacionais.

Numa incursão mais abrangente nos ideais do presidente, certamente menos acidentado seria reacender a discussão quanto aos senadores, desde que se mantivesse igual número deles para todos os estados. Não pode ser diferente, porque o Senado é a casa da Federação; não toleraria diferenças entre os entes representados. No Império os senadores gozavam da vitaliciedade, extinta com a Constituição de 1891, que fixou mandato de nove anos, rebaixados para dois anos em 1934, para, por fim, subir para oito. O cearense Lúcio Alcântara quis reduzir os mandatos para quatro anos, mas os pares cuidaram de enterrar a proposta em sepultura perpétua.

Parece conclusivo que o raciocínio do candidato vitorioso não considerou, na devida medida, o detalhe substancial: o pecado dos deputados e senadores não decorre de serem numerosos, mas, como se disse, por não haver maioria qualificada. Há quem até recuse grandes mudanças nessa questão do nível. Nos Estados Unidos, Hubert Humphrey dizia que são muitos os idiotas em um país, e eles têm direito de estar representados. Nesse particular, o Brasil não tem perfil muito diferente, como condescendeu o fleugmático Gustavo Capanema: nosso Congresso é isto: 10% de notáveis, 10% de bandidos e 80% de gente normal. Pior quando o voto altera a ordem de fatores, os maus avançam e superam os bons.

“Cada renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, constitui oportunidade pata voltar às referências que inspiram a Justiça e o direito”

(Papa Francisco)