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Bolsonaro e o crime organizado

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Há quase 20 anos as milícias são um fenômeno presente no Rio de Janeiro. Formada por policiais e ex-policiais e com ligações em outros níveis do aparelho do Estado, começaram vendendo proteção a comerciantes e moradores. Muito rapidamente, passaram o assassinato de suspeitos de terem cometido pequenos crimes que não se acertavam com ela. Depois ocuparam-se da grilagem de terras e da venda serviços clandestinos de TV a cabo (o “gatonet”) e botijões de gás, cuja venda monopolizam. Assumiram, ainda, o controle das vans do chamado transporte alternativo.

Em poucos anos começaram a movimentar rios de dinheiro, extraído de pessoas humildes que não contam com a proteção do Estado. E a matar quem atravessasse seu caminho.

Transformaram-se, também, em grupos de extermínio com atuação fora de seus territórios, passando a vender seus serviços como matadores de aluguel. Agora, a cada dia surgem mais evidências da proximidade da família Bolsonaro com essa gente.

Os dois principais alvos da operação “Intocáveis”, desenvolvida esta semana pela polícia e o Ministério Público contra milícias, foram Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do Bope, e Ronald Paulo Alves Pereira, major da PM. O primeiro está foragido e o segundo, preso. São acusados de chefiar o principal grupo de extermínio do Rio: o “Escritório do Crime”, que estaria inclusive envolvido no assassinato de Marielle Franco. Pois os dois foram homenageados, em 2003 e 2004, na Assembleia Legislativa, por indicação do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Flávio tinha, ainda, como assessoras em seu gabinete na Alerj a mãe e a mulher de Adriano.

Já antes, dois PMs irmãos gêmeos, Allan e Alex de Rodrigues de Oliveira, seguranças de Flávio, tinham sido presos por ligações com milícias.

E três PMs detidos em outra operação de combate às milícias, de nome “Quarto Elemento”, foram agraciados com moções de louvor de Flávio na Alerj. Eles são Leonardo Ferreira de Andrade, Carlos Menezes de Lima, Bruno Duarte Pinho.

Por fim, segundo o colunista Lauro Jardim, Fabrício Queiroz, o amigo, laranja, motorista, quebra-galho e faz-tudo da família Bolsonaro, quando desapareceu para não depor no Ministério Público sobre suas transações bancárias suspeitas, se escondia numa casa em Rio das Pedras. O local é o mais conhecido reduto em que as milícias dão as cartas no Rio.

Mas grupos de extermínio não contam só com a simpatia do filho 01 (ou será o 02? Ou o 03?). Vejamos trecho do discurso do então deputado Jair Bolsonaro na Câmara. Ele defendeu a vinda para o Rio de matadores que agiam na Bahia:

“Quero dizer aos companheiros da Bahia — há pouco ouvi um parlamentar criticar os grupos de extermínio — que enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu estado só as pessoas inocentes são dizimadas.” (12/8/2003)

O advento do governo Bolsonaro trouxe uma justificada preocupação com a possibilidade de aumento do número de atentados contra defensores da democracia, dos direitos humanos e da justiça social, tanto nas cidades, como no campo. Aliás, já no primeiro mês do governo aumentou o número de ataques de jagunços, armados por fazendeiros, para expulsar índios de suas terras.

Não se pode acusar diretamente o presidente por esses crimes nem pelo cometidos pelas milícias no Rio. Mas é evidente que seus afagos aos paramilitares, suas homenagens a torturadores e assassinos de presos políticos na ditadura e a defesa que já fez da eliminação física de opositores de esquerda - coisa que, a seu juízo, o regime militar não praticou na escala necessária - podem servir de estímulo a novos atentados do crime organizado.

Impedir isso é tarefa de todos os democratas.

E é bom abrir o olho e estar atento. As coisas estão cheirando mal.

As milícias são o ovo da serpente.