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Os partidos e a distante reforma

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A expectativa de alguns novos deputados, como se colhe nas entrevistas em que comentam temas supostamente preferenciais para a próxima temporada legislativa, a instalar-se no dia 1º, é que ressurjam questões que andam hibernadas, provavelmente ainda como consequência das eleições, que traçaram novas rotas para o país. Estaria nesse caso a reforma política, que, depois de prolongados anos dominando a parada de sucessos, voltou a mergulhar no ostracismo.

A curiosidade dos parlamentares recém-chegados faz sentido, a começar pelos que se elegeram na garupa desses modestos partidos que vivem suas últimas andanças pelo plenário do Congresso, sob a espreita da cláusula de desempenho. Essa inovação, arrancada a fórceps, tem, num primeiro momento, a virtude de acabar com aventureiros, os parasitas que criam e vendem apoios de suas legendas em época de eleição.

Mas o fim da malandragem não estará completo se a oportunidade for perdida para outra obra há muito reclamada. É a revisão do pluripartidarismo, pois não tem sido menor seu papel no processo de deterioração da política brasileira. Impossível negar os desvãos que se repetiram: na ditadura dos anos 60, o bipartidarismo serviu para abrigar quem era a favor ou contra. Apenas isso.

Logo depois, o pluripartidarismo seria transformado num agitado balaio de felinos; conspurcou a qualidade da representação, muitas vezes permitindo-se ao papel de balcão de negócios para facilitar ou complicar a vida de presidentes e governadores. Como em qualquer feira, o preço do voto-mercadoria oscila. Ou não é assim que a coisa sempre funcionou?

Os pequenos partidos têm direito de serem tão numerosos quanto desejarem, mas não podem dispor de todos os direitos que contemplaram os que o eleitorado majoritário consagrou. A experiência que em meio século nos fez transitar entre a escassez de dois à atual fartura de 35! deve servir de inspiração para a redução dos partidos ativos em cinco ou seis.

O cuidado indispensável é que sejam em número suficiente para acolher correntes políticas e ideológicas, de centro, esquerda, direita e de matizes intermediários. E bom também para elas, dispensadas dos constantes conflitos internos e mero utilitarismo. As legendas minúsculas são, muitas vezes, condenadas ao papel inferior de trampolim para fenômenos eleitorais e religiosos, e nada mais que isso.

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Em outros países

Longe de ser problema exclusivo do Brasil, outros países sabem que o amontado de partidos tem a ver com sensíveis dificuldades políticas e institucionais. Um estudioso liberal, Karl Popper, foi fundo na questão, sem se ater a casos isolados, para concluir que um defeito do multipartidarismo, frequentemente inspirando coalizões, leva a “diluir responsabilidades e desencorajar reformas” por todo o mundo.

Outra questão essencial é que, ao contrário, os poucos partidos a formar o governo são levados a encampar as consequências da derrota. Sendo muitos, não assumem o desastre das urnas, porque cada um acha que a culpa deve ser debitada ao outro. Karl também pensava assim.

No que se referir à reorganização partidária, quando a reforma política deixar de ser apenas prometida, uma iniciativa de bons resultados seria saber do eleitorado não apenas o que ele pensa deles, mas quais os formatos que lhe parecem melhor.

Se o povo traçar diretrizes para os reformistas, é provável que saiam logo de cena os preparados nas provetas dos laboratórios do oportunismo e das igrejas improvisadas, onde nunca falta um Doutor Silvana para criar monstros que sabem fazer o mal, mesmo que seja em nome de Deus.

"Mesmo confundir política com religião já é uma intolerância"

Joaquim Nabuco