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A política como coisa

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É com alegria que faço minha estreia na coluna “Coisas da Política”. E não há contradição em começar a escrever aqui justo quando encerro um mandato parlamentar. Afinal, a política entrou na minha vida quando nasci. Como na sua, paciente leitor (a). Política não é “coisa” de que gostamos ou não, mas elemento constitutivo do que somos. Desde Aristóteles (384-322 a.C) está proclamada nossa condição de “animal político”, isto é, de seres de relações, gregários.

Entretanto, é inegável a crescente aversão à política. Nas últimas eleições, quem melhor se vendeu como antipolítica venceu. Há uma exaustão com o sistema, porque a maioria dos que têm mandatos (no Legislativo ou no Executivo) representa para o povo. Sua prática mais constante é a do fingimento, da encenação e da mentira. É a política como espetáculo, como terceirização da cidadania: o representante representa do jeito que quiser. A política vira um show ou, mais comumente, uma farsa – como os partidos.

A massificação dos meios eletrônicos de comunicação aprofunda o abismo entre os que estão na planície e os que, eleitos, vão nos representar no Planalto ou nos palácios. Os contatos imediatos, fundamentais à legitimação da representação, são substituídos pelos contatos midiáticos ou virtuais, sobre os quais não se tem controle. O meio é a mensagem! O neoliberalismo é a messianização do mercado, e a política e seus atores são produtos a serem mercadejados ou... mi(s)tificados.

A Revolução Burguesa, que marcou o triunfo do capitalismo há quase 250 anos, não excluiu a vida pública e a cidadania do seu ideário. Pelo contrário, afirmou-os no processo de ruptura com a encastelada ordem feudal. Os 600 mil parisienses do final do século XVIII, por exemplo, eram atores e não espectadores das lutas sociais e políticas de seu tempo, que afetavam seu cotidiano. As assembleias populares nos quarteirões revelavam que a política estava nas ruas. A triunfante individualidade burguesa não era o elogio do individualismo privado. É certo que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade começaram a incomodar a nova classe no poder, que preferiu substituí-los por infantaria, artilharia e cavalaria contra o povo, mas a política não estava restrita a círculos bem pensantes. O neoliberalismo é o extremismo da privatização, inclusive na política.

O grande risco é perdermos o endereço da cidadania substantiva, da participação. Vivemos o tempo áspero do egoísmo absoluto, negador da “pessoalidade” que se afirma também na esfera pública, na comunidade, no interesse pelo outro, na preocupação militante com o destino do mundo, na participação voluntária na vida da polis. Na política, enfim.

O novo presidente da República, assim como não mencionou nossa maior chaga, a desigualdade social, também não exortou a população a participar do processo político e da tomada de decisões. Democracia participativa, de alta intensidade, não está no repertório dele. Ignorante da História, deve considerar isso “coisa de socialista”...

Quem tem consciência cidadã está angustiado com os rumos do país. Afirmar caminhos alternativos significa repensar os modelos de representação (reforma política radical) e reestruturar o Estado, para que ele seja indutor de solidariedade e poroso às pressões da população organizada. Nesse novo Estado, forte porque ativo e democrático, a política não será um exercício de “entendidos”, tecnocratas da manipulação, “cientistas” da vontade popular ou saudosistas da “ordem militar”. Ela será recuperada como dimensão libertadora do ser humano, espaço de legitimação dos conflitos e único meio de sua superação.

Professor é “guardião da dúvida”. O que aqui escreve, agora sem a tribuna parlamentar, pretende prosseguir nessa tarefa de indagar onde está e o que quer o povo na nossa combalida República.

*Chico Alencar é professor de História, escritor e deputado federal (PSOL/RJ) até 31/1/19