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Bolsonaro e os pobres

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Como destaquei na coluna de ontem, Bolsonaro foi o único presidente do período democrático que, no discurso de posse, não falou nos pobres, na desigualdade e na justiça social. No primeiro dia útil de seu governo o esquecimento traduziu-se em medidas ou anúncios, começando pelo confisco de R$ 8 do salário-mínimo. O Congresso aprovou o orçamento com o valor de R$ 1.006,00 a partir do dia primeiro, mas ele o reduziu por decreto a R$ 998,00.

A subtração dos R$ 8 resulta, para o trabalhador ou aposentado que ganha o salário mínimo, numa perda de R$ 960,00 no final do ano. O PT vai apresentar projeto de decreto legislativo (que tem força de lei se aprovado pelo Congresso e não pode ser vetado pelo presidente) restabelecendo o valor original. Afora a dificuldade para obter os votos necessários, o decreto legislativo aplica-se apenas a matérias de competência exclusiva do Congresso, o que não é o caso. Mas o ruído provocado pela iniciativa da deputada Gleisi Hoffmann pode chegar aos ouvidos dos pobres, que fora do Nordeste, votaram maciçamento em Bolsonaro.

Os pobres pagarão mais se o ministro Paulo Guedes cumprir a ameaça de acabar com as vinculações orçamentárias constitucionais caso a reforma previdenciária não seja aprovada. Isso significaria o fim da aplicação obrigatória de um percentual de recursos em saúde e educação. Se hoje, com verbas gordas garantidas, os dois serviços deixam a desejar, com a sangria orçamentária iriam à lona. Os pobres é que precisam mais do SUS e da escola pública.

Os índios também perderam ontem com a transferência da demarcação de terras, da Funai para o Ministério da Agricultura. Bolsonaro, que continuará se comunicando pelo Tuitter, fez postagem ontem afirmando que 15% do território nacional são ocupados por reservas indígenas e terras quilombolas, nas quais viveriam apenas um milhão de pessoas.

O ministro da Cidadania, Osmar Terra, por outro lado, reiterou a promessa de campanha de Bolsonaro, de pagar uma décima-terceira parcela do Bolsa Família em dezembro, embora não haja recursos no orçamento para isso. Esperam os pobres que para obtê-los o governo reduza o número de beneficiários, como fez Temer, demagogicamente, ao excluir famílias para garantir o aumento do valor da bolsa.

Visita à velha política

O PSL de Bolsonaro vai apoiar a candidatura de Rodrigo Maia à presidência da Câmara em troca da presidência da poderosa CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e mais uma outra comissão. O nome disso é conchavo, barganha, aquilo que Bolsonaro gabou-se de não ter praticado ao montar o ministério. Mas para se haver com o Congresso, ainda fará outras visitas à velha política contra a qual se elegeu.

Depois de muitas idas e vindas, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, acabou ficando com a titularidade da coordenação política, compartilhando a tarefa com o general Santos Cruz, da Secretaria de Governo.

Diz-se que o general Augusto Heleno é o mais influente ministro palaciano mas a MP 870, que fixou a nova estrutura do governo, reservou feixe robusto de poder e atribuições a Santos Cruz. Ele é que fiscalizará a atuação de ONGs e organizações internacionais, com as quais Bolsonaro tem verdadeira implicância.

Responderá também por toda a política de comunicação. A posse mostrou ao governo a importância da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) que, como de outras vezes, coordenou o pool de transmissões do evento. Bolsonaro já falou em extinguir a empresa, que não se reduz à TV pública (TV Brasil), que ele chama de TV oficial. Entre as atribuições de Santos Cruz há uma que pode ter entrado ali por engano (por tudo que Bolsonaro já disse) ou por indicar o reconhecimento do papel da empresa, que além de gerir canais públicos, presta serviços ao governo. Diz o inciso nono: “IX - coordenar a implementação e a consolidação do sistema brasileiro de televisão pública;” Ora viva, aguardemos.