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Ecos do passado

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O redesenho das estruturas do Poder Executivo que vem sendo anunciado pela equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro acentua as semelhanças entre seu futuro governo e o de Fernando Collor, afora o parentesco político-ideológico. Além do já confirmado superministério da Economia, reunindo as pastas da Fazenda, do Planejamento e do MDIC (Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior), outras fusões e incorporações estão planejadas. Sob Collor, medidas parecidas resultaram em grave paralisia decisória.

Diz um antigo chiste que a burocracia de Brasília é composta por gatos e cachorros. Esses últimos chegam com os novos donos do poder e os acompanham quando o governo acaba. Os gatos, pelo contrário, continuam nos ministérios quando há troca de inquilinos. São os técnicos das carreiras estáveis. Os cachorros chegam assanhados, querendo trocar tudo de lugar. Os gatos ensinam que quanto mais assuntos são colocados sob o comando de um mesmo ministro, mais travada se torna a gestão, mais complicada a produção de consensos.

Para atrair o juiz Sérgio Moro, Bolsonro pretende devolver a pasta de Segurança à Justiça, de onde não deveria ter saído.Temer fez o desmembramento quando da intervenção no Rio, que pensava ter sido uma grande tacada.

Tal como Zélia Cardoso de Mello, poderosa superministra da Economia de Collor, dama do confisco da popupança e das contas correntes, Paulo Guedes ainda é uma incógnita. Não tem passagem relevante pela vida acadêmica nem por cargos públicos, embora tenha tido passado pelo Banco Pactual, que ajudou a fundar, e pelo IBMEC. Como Zélia, ele é voluntarioso e cheia de certezas, embora suas análises soem superficiais para setores do mercado e do empresariado, que apontam ainda sua limitada compreensão sobre o jogo político e de seu impacto sobre a economia.

Bolsonaro desistiu da pasta única de Infraestrutura, que reuniria Transportes, Minas e Energia e Comunicações. Collor fez a mesma coisa, mas foi um fracasso. A pasta teve três titulares em dois anos e não produziu nenhuma obra relevante no setor. Menos mal, porque Minas e Energia é ministério complexo demais para virar apenas uma secretaria.

Industriais não gostaram da incorporação do MDIC pela Fazenda e muito menos os exportadores. Mas os móveis continuarão sendo arrastados pelos novos inquilinos. Em cogitação, também, a substituição, nas embaixadas, de diplomatas por adidos comerciais especializados. A ideia aumenta o suspense no Itamaraty com a “libertação” prometida por Bolsonaro. No fundo, deverão ser criadas sinecuras para empregar pessoas de fora da carreira.

A fusão de ministérios atende a promessas, que tanto Collor quando Bolsonaro fizeram de reduzir a máquina pública. O problema com esta receita é que ela não reduz o gasto e prejudica a gestão. E reflete, também, tendências centralizadoras dos dois presidentes, afora as semelhanças políticas. Ambos convenceram eleitores de que eram antissistema e elegeram-se por pequenos partidos prometendo passar o país a limpo. A favor de Collor, deve-se dizer que deu trela aos militares, não se comprometeu com agenda conservadora nos costumes e não ameaçou a democracia então nascente. Tentou renunciar antes do impeachment, foi absolvido pelo STF das acusações de corrupção, ficou banido oito anos e voltou como senador.

Força do verbo

Advertência da deputada Jandira Feghali que deve ser levada em conta: “O sangue e a violência virão pelas mãos dos que seguem o discurso fascista. Não necessariamente pelas de quem o profere”. O bolsonarismo ainda não tomou posse, mas duas aldeias indígenas e a sede da CUT foram atacadas, e a presentadora do programa de Haddad na campanha sofreu ofensas racistas. O que é dito lá em cima será praticado aqui embaixo.

Obsessão

Se quer liderar a oposição e ser alternativa em 2022, Ciro Gomes deve buscar uma terapia para superar o ressentimento do PT, que está ocupado com seu próprio exame de consciência. Ciro parece não ter compreendido ainda o significado de sua omissão no segundo turno.