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Limites para Bolsonaro

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Não pode haver tergiversações sobre a derrota da esquerda e a vitória sem precedentes da extrema direita, mas é preciso enxergar também nos números o verdadeiro tamanho do Brasil que optou por Bolsonaro. Ele venceu com 55,13% dos votos válidos mas seu nome foi sufragado por apenas 39% do total de eleitores. Deixaram de votar nele 76 milhões. A clivagem ideológica continuará profunda, desfazendo ilusões sobre moderação na luta política.

Embora o sistema consagre a vitória por 50% mais um dos votos válidos, os 57,79 milhões de brasileiros que votaram em Bolsonaro não chegam a representar 40% do total de eleitores. Ficaram com Haddad 31,7% dos eleitores, ou 47,04 milhões. Os que votaram em branco, nulo ou não compareceram somam 42,1 milhões, ou 28,5% do total, um recorde. Este quase um terço que lavou as mãos poderia ter produzido outro resultado. Isso não lhe tisna a legitimidade, mas Bolsonaro precisa compreender verdadeiramente que não foi aclamado rei, e que terá de governar e respeitar os três Brasis, o de seus eleitores, o da oposição e o da omissão. Collor e Dilma foram os únicos, no Brasil democrático, que alcançaram a maioria dos votos válidos mas não a maioria entre os votos totais.

Até que se prove a natureza democrática de seu governo, vai pairar a dúvida e a apreensão: quando é que eles vão começar? De tudo que vi nas últimas horas, nada foi mais chocante que o desfile de caminhões e jipes do Exército, ocupados por soldados, desfilando por uma avenida de Niteroi na noite de domingo. Nas calçadas, bolsonaristas aplaudiam e passaram a cantar, ao som daquele refrão de saudação à seleção de futebol: a ditadura voltou, a ditadura voltou... O vídeo está nas redes.

Algumas coisas já estão acontecendo, como o panfleto de uma deputada estadual instigando professores a delatar colegas comunistas; como a resposta estúpida do ministro indicado da economia, Paulo Guedes, a uma jornalista argentina sobre o futuro do Mercosul; como a ameaça, em termos chulos, do deputado eleito pelo PSL Marcio Labre, aos jornalistas que tentarem sabotar o país. Quem tiver curiosidade leia no Twitter. Mas estes, pode-se desculpar, são desatinos de seguidores inebriados pela vitória.

Sinais

Pelo próprio Bolsonaro soubemos ontem, na entrevista à TV Record, que ele porá em ação, logo depois da posse, a agenda que promete confrontos, como a reforma previdenciária, a liberação da posse e porte de armas e o início das privatizações. Ele não conversará com movimentos sociais e tratará o MST e o MTST como terroristas em casos de invasão de propriedade. Chamará Sergio Moro para o STF ou para o Ministério da Justiça, uma pedra cantada. Sem Moro e a Lava Jato, não teria havido o antipetismo, sem o qual não teria vencido. Mas ele deu sinais de que vai se compor direitinho com a elite política que renegou e derrotou. Já enquadrou o PSL: a presidência da Câmara deve ficar para os mais experientes, de outros partidos.

A novidade positiva dos últimos dias foi que o Ministério Público e o STF acordaram para o risco democrático, depois de muito terem contribuído com as “excepcionalidades”. Ambos se manifestaram contra as operações policiais em universidades, nas vésperas do pleito. Seus integrantes fizeram advertências enfáticas, após a proclamação do resultado. O presidente do STF, Dias Toffoli, ponderou que o eleito deverá governar para todos e respeitar os opositores. O ministro Lewandowski defendeu “respeito incondicional às instituições e aos direitos fundamentais, em especial minorias e grupos mais vulneráveis”. Para Luciano Mariz Maia, vice-procurador-geral, Bolsonaro vai constatar que “nem tudo de seu discurso pode se converter em atos concretos”. E o que ele fará, quando for contrariado?

Bolsonaro prometeu ontem uma relação “harmoniosa” com o STF e falou da conversa telefônica que teve com Toffoli. Mas a expressão fundamental nesta relação não apareceu: os poderes devem ser harmônicos mas, sobretudo, independentes.