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Tudo foi visto, tudo foi dito

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E aqui estamos, a poucas horas do início da votação, num segundo turno garantido pelos irmãos nordestinos. Se dependesse do resto do Brasil, Bolsonaro teria sido eleito no dia 7 e não teríamos tido estas três semanas para a reflexão. Quando os votos forem contados, saberemos se elas serviram para alguma coisa: para que cada um examinasse sua consciência e pesasse sua responsabilidade. Nestes 21 dias tudo foi dito sobre a escolha a ser feita, e por isso há uma viragem de votos em curso, de força ainda incerta. Para isso, valeu o segundo turno.

Para que não houvesse dúvida de que a escolha será entre autoritarismo e democracia, entre a intolerância e a convivência dos contrários, o próprio Bolsonaro fez proclamações assustadoras, como a de que vai perseguir, prender e exilar. Houve tempo para saber mais sobre Haddad, fazer-lhe cobranças e exigir compromissos. Mas se prevalecer a promessa de tempos ferozes, não foi por desinformação. Foi por convicção mesmo.

Convicção singular, derivada do ódio ao PT e da hipocrisia moralista, e não da confiança em que ele nos vai tirar da crise esgrimindo um programa de governo convincente. Nem eleitores nem adversários chegam ao dia de hoje sabendo o que seria o governo Bolsonaro. Para isso, não serviu o segundo turno. Um governo não pode ter como meta perseguir adversários ou acabar com os ativismos, seja lá o que isso signifique. Fará parte disso a perseguição a jornalistas? Ou o enquadramento dos movimentos sociais na lei antiterrorismo? Muitos votam em Bolsonaro por identidade com o moralismo conservador que ele finge encarnar, pois moralista de verdade não diz coisas como “não te estupro porque você não merece”. Mas o moralismo não gera emprego e não enche barriga, nem com o banimento de todos os gays e lésbicas.

O apoio empresarial é grande mas também é irracional. Nada é certo na política econômica de um candidato que só tem compromisso essencial com dois setores produtivos, o agronegócio e a indústria de armamentos. Terá Bolsonaro abraçado sinceramente o ideário liberal, ao ponto de vender todas as empresas estatais? E como será assimilada uma reforma tributária que pode subtrair ao tesouro R$ 27 bilhões anuais? Isso com a promessa de adoção de uma alíquota única de imposto de renda, de 20%, para todas as faixas de renda. Pobre classe média, pagaria o mesmo que os rentistas. Até Adam Smith, patriarca do liberalismo, defendia cobrar mais de quem ganha mais.

Serviram portanto, estes dias do segundo turno, para que milhões de eleitores compreendessem que 30 anos de democracia e todo um edifício construído sob a forma de direitos e garantias, com vistas a uma sociedade melhor, poderiam desaparecer. Nos últimos dias, aconteceu no Brasil um esforço febril e suprapartidário, em que pessoas das mais diferentes origens e tendências políticas, algumas que nunca se meteram em política, deram-se as mãos para virar votos. Milhares de grupos de Whatsapp passaram a reunir pessoas desconhecidas para a troca de material para a guerra digital. Houve um mutirão desesperado, com a urgência dos esforços de guerra. Esta experiência ficará como legado deste momento em que a luta pela democracia entrou novamente em pauta, para os mais velhos, e despertou os mais jovens.

Da mesma forma, não será esquecido o descompromisso dos líderes políticos do campo democrático, sejam de esquerda, centro ou direita, que lavaram as mãos por rancor ao PT ou por comodismo. A frente democrática deveria ter unido do DEM ao PSOL, como fizeram os franceses em 2002, diante do risco da eleição do extremista Le Pen. Como pode Ciro Gomes deambular pela Europa durante estas semanas cruciais? Como pode FHC, embora sentindo o cheiro de fascismo, não declarar apoio a Haddad para não contrariar candidatos tucanos a governador que apoiam Bolsonaro?

Esta campanha colérica chega hoje ao fim mas ainda aprenderemos muito com ela, e sobre ela.