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Senado x Itamaraty

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O Senado Federal sempre teve seus expedientes, quando o objetivo foi mostrar ao presidente da República e ao chanceler da hora, que é preciso aperfeiçoar o diálogo entre os poderes. Há uma gama de modelos de recados sutis; às vezes, nem tanto. E, quando quer sinalizar, prefere lançar mão de comportamento insólito, como, na semana passada, ao crucificar a carreira de um diplomata, Fábio Manzano, que, ao ser sabatinado, recusou-se a responder a uma questão fora de sua alçada funcional, à margem das funções que desejava servir junto às Nações Unidas. Com o silêncio da bancada governista, e pela voz de uma senadora, pretendeu-se, naquele candidato, apenas arder as costas do ministro das Relações Exteriores. Na verdade, desde a chegada da respectiva mensagem com a indicação, cuidou-se menos dos encargos em Genebra e mais da oportunidade de uma investida contra o governo.

Quando surgem impasses dessa natureza, o risco é um certo desassossego em relação ao país ou à organização internacional onde se pretende conferir a representação. Pode ser que, à primeira vista, a provocação não tenha maior importância, mas é impossível desconhecer que decisões assim tendem a contribuir para situações externas dificultosas. A observação é ainda mais procedente, se consideramos a fase que estamos vivendo com o Exterior, que tanto nos questiona. O caso da frustrada indicação de um funcionário de carreira em função diplomática, não tem como gerar impasse, nem dificuldades, mas pode levar ao acescente, isto é, tende a azedar diálogos, desnecessariamente.

Desaprovações desse tipo, criadas apenas para subir a rampa do Itamaraty, acabam por sacrificar diplomatas preparados, distantes de litígios que discrepam de uma formação profissional, que, bem entendida, deve apenas servir aos interesses nacionais junto aos povos. Em outro viés, os desencontros políticos entre o Congresso e o ministro das Relações Exteriores podem se processar por outros instrumentos, sem maiores problemas.

É antiga, oportuno lembrar, a costumeira interferência política no tratamento de questões diplomáticas, ao parar no plenário do Senado. Caso, não muito distante, ocorreu em 2015, no governo Dilma, quando senadores oposicionistas desaprovaram o credenciamento de Guilherme Patriota para representar o Brasil junto à Organização dos Estados Americanos, sem que pesasse sua qualificação para assumir os encargos em Washington.

Ocorre que, recusada uma indicação dessa natureza, a nação ou a instituição a que se pretendeu a representação tem todo o direito de se julgar desprestigiada, pois geralmente são consultadas, com antecedência, sobre possível inconveniência.

Nesse e em outros episódios semelhantes, sempre é desejável que se considerem os interesses do país junto às nações amigas e aos conselhos em que se faz necessária a nossa participação. Não faltam outras motivações, mais adequadas, para que o Senado questione o presidente e seu ministro; o suficiente para não ter de aproveitar ocasiões em que cabe avaliar apenas a qualidade dos serviços da representação brasileira no Exterior. Assim sabendo, o plenário sabatinador faria bem se elegesse outros instrumentos para acossar o governo.

Não há dificuldade em localizar casos de constrangimento anteriores, dentro e fora do Brasil, suficientes para justificar a preocupação que aqui se levanta. O principal, por causa da repercussão, levou a vivenciar situação delicada em Bonn. Em 1961, o Senado recusou mensagem do presidente Jânio Quadros indicando Ermírio de Morais para embaixador na Alemanha, onde o empresário já havia construído um clima de expectativas para bons negócios comerciais.

Bem antes, para mostrar que é antiga a ranhetice senatorial, Olegário Mariano foi aprovado por apenas um voto – 24 a 23, para a embaixada em Lisboa. Só aceitou, a contragosto, assumir o cargo, por insistência do presidente Vargas: ”a Constituição fala em maioria: um voto é maioria, e pronto ”. O mesmo constrangimento, anos depois, enfrentaram Itamar Franco e José Aparecido, embaixadores em Roma e Lisboa, aceitos com apertada aprovação. Itamar teve, no Senado, 29 votos contra 25. Aparecido viajaria graças a apenas um voto.

Pode parecer que não, mas essa quase tradição de aceitar, por maioria irrisória, indicações no campo da diplomacia, afeta o prestígio do representante acreditado. É um detalhe a reclamar maior atenção dos senadores, quando cedem a influências oposicionistas, ou simplesmente partidárias, no encaminhamento de questões vinculadas às relações do Brasil com o resto do mundo.