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Está na mesa

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É noite, não está sendo fácil dormir. Perdemos, ó gosto amargo. Lutamos tanto. Quando veio a notícia, gritos agressivos, fogos, buzinas. Alguém grita alto: Cala a boca, velha louca! Teria sido assassinada essa que falou? Tive a impressão de que se tivéssemos mais uma semana teria dado tempo de nos fazer entender. Teríamos conseguido provar que mais importante do que ser contra o PT era ser a favor de um país menos violento, menos injusto do que ele já é. Uma campanha feita com várias notícias falsas, uma campanha surfando na relativização da verdade, sem a presença de um dos candidatos em nenhum debate fez com que o tempo fosse um aliado dele. A história ficou toda torcida. Por causa de alguns erros, o PT virou o demônio em parte do imaginário brasileiro, ainda que tenha sido o melhor governo que tivemos. Todos têm uma parcela de responsabilidade nisso. Grande parte da classe jornalística, numa fidelidade ao mito da imparcialidade, omitiu-se e corroborou com a construção sem medida da narrativa antipetista. Do nosso lado, a esquerda vem há anos reproduzindo, em sua prática micro política, os mesmos padrões que execra na burguesia: Separatista, classista, nunca encampou uma campanha antirracista, por exemplo, e parece que só agora é sabedora de que é essa a nossa grande chaga e que, o que nos ameaça revela que estamos em risco. É o preço de uma ditadura que interrompeu ações de uma educação maravilhosa, como a escola vocacional em São Paulo, que pretendia ser um modelo para o Brasil e que a ignorância militar cortou em plena atividade e deixou apodrecerem as máquinas dos equipamentos cientìficos e do pensamento crítico. Isso é que dá a gente não ter estudado direito nosso holocausto negro que durou 400 anos. Por isso, os não negros não se importam com os negros que morrem dentro da “necro-política” diária mas choram ao ver o “Diário de Anne Frank”. Isso é falta de acesso à própria ancestralidade. Fica-se perdido. No lugar de filosofia e artes, entrou “Educação moral e cívica”. Deu no que deu. Parte do eleitorado brasileiro está sem interpretação de texto, sem pensamento analítico. Argumento é “polêmica”, antítese é “mimimi”. Mas isso não é arrogante de minha parte? Se somos tão inteligentes assim, por que eles ganharam? Hoje meu filho Juliano, me apontou os nossos erros, de como a gente vive tomando susto, de como demoramos a reagir. O que está acontecendo é novo, o tempo é de aprender e ao mesmo tempo agir. Não conseguimos provar para o povo que o professor era a melhor opção e que a outra ameaçava a democracia. Perdemos essa estrada e a luta na reta final fez com que a gente fosse para a rua mais reconectados. A boa notícia é que até os setores mais conservadores se assustaram. Como uma hipnose no seu fim, muitos foram virando votos na reta final. O atentado às liberdades de expressão nas universidades foi péssimo, um ciro no pé. Fez a Cármem Lúcia exigir um interrompimento da barbárie e a Raquel Dodge exigir investigação. Todos os setores da sociedade estão apreensivos. O Brasil de agora não é o de 64 em que era fácil identificar intelectuais. Estamos espalhados. Agora quem é a esquerda? 36 milhões de pessoas votaram realmente no eleito. Temos mais de 30 milhões de votos que não foram dados a ninguém. Na verdade, não foi a maioria do povo brasileiro que elegeu esse presidente, portanto, significa que somos muitos. Muita gente da periferia entrou nas faculdades de direito, se formou. Mudamos. A cara da Justiça brasileira também mudou.No próprio Ministério Público do Trabalho existe uma face importante dedicada à justiça racial. É um Brasil de instituições fortes que, reservadas todas as considerações, pôs um ex-presidente na cadeia. Não é um país simples. Protagonista de uma das maiores democracias do mundo, o Brasil não vai morrer na praia. Todos os que sofrem com o avanço do fascismo no planeta sabem disso. Muita gente desceu do salto, veio pra rua defender seus irmãos pretos, mulheres, LGBTs, artistas e sentiu pela primeira vez “a água entrando na sua casa”. É isso mesmo, estamos todos no mesmo barco. Muita água ainda vai rolar. Serão tempos difíceis, mas nossa força é incomensurável. Por isso amanhecemos resistência. Ninguém ganhou essa eleição. O veneno será servido a todos.