O processo da enfermidade de Chávez mostra como a imprensa pode se comportar de forma opaca e escancara a importância de uma discussão adulta sobre os direitos das sociedades contemporâneas à informação. Afinal, o sujeito preside um país! Mas seu estado de saúde e os relatórios sobre suas reais condições de governar estão nas mãos da elite da inteligência cubana. E, graças ao mistério, na Venezuela, a violação constitucional ungida por corte jurídica teve êxito. Eis um segredo de Estado bem usado.
São conhecidas as edições maquiadas e manipuladoras do velho Pravda, os jornais caricatos controlados por Ceausescu e Sadam Hussein, a mão de ferro com a qual a ditadura de Pinochet e os generais do Cone Sul esmagaram a imprensa livre. Muitos não se lembram mais dos versos de Camões no Estadão (sempre saudável lembrar que o jornal ainda está sob censura) e das bombas contra a ABI. O aforismo é autoevidente: se há ameaça de totalitarismo, a liberdade de expressão é a primeira a cair.
Precisamos analisar um caso recente que, providencialmente, teve baixíssima divulgação. Trata-se do ativista prodígio Aaron Swartz. Nada a ver com o lucrativo wikileaks, Swartz fundou o theinfo.org e lutou pelo direito e disponibilização de artigos científicos, teses, processos jurídicos e outras informações normalmente só acessíveis com deslocamento pessoal do interessado até bibliotecas ou arquivos burocráticos. Isso irritou o Departamento de Justiça dos EUA, porque Swartz xeretou em lugares impróprios: se posicionou contra os abusos incluídos na nova lei antipirataria (agora citar um trecho com copyrights em artigos, filmes ou teses pode dar cadeia) e fez o inadmissível, começou a rastrear a origem do dinheiro do financiamento das pesquisas. O sistema tolera que o cidadão avance até certas áreas fronteiriças; depois da linha vermelha, lasca-lhe o cassete. Acusado, e ciente das chances de passar os próximos 35 anos aprisionado, Aaron reduziu-se ao silencio. Na semana passada, pressionado e deprimido, matou-se, aos 26 anos de idade. (Ver artigo de Magaly Pazello em https://www.portogente.com.br).
Então, para que serve a informação? Para controlarmos uns aos outros? Estamos montando uma sociedade de delatores? Uma megacorporação de fiscais?
Numa sociedade regulada pelo instantâneo estamos todos ligados, conectados em tempo real, mas os plugs cobram um preço: nos tornou mais exigentes, escravos da intolerância, discípulos do cronômetro e, principalmente, vulneráveis à vigilância.
Projeções indicam que meios digitais, como este que você agora lê, tornar-se-ão, em menos de duas décadas, os veículos preferenciais para a busca de notícias. Jornais em papel serão raridades bibliofílicas. Por isso, China e Irã, por exemplo, vêm gastando bilhões em sistemas tecnológicos de bloqueio e filtros de acesso à web. Percebeu-se que a inclusão digital é faca de muitos gumes. Porém, o mundo real mostra que a sede por notícias é maior do que a capacidade do Estado em sufocar o acesso a elas. Pronto, confesso a nostalgia. O papel era mais subversivo e irreverente. O papel circularia, mesmo se algum político resolvesse desligar a chave geral. Papel dura, arquivos são reformatados ou deletados.
Depois da onda de euforia, tem sido um tanto comum ler pessoas maldizendo a realidade virtual. Do jeito que escrevem é como se alguém as obrigasse a entrar, sentar, digitar, responder, curtir, descurtir, cutucar, retransmitir, compartilhar, ver quem acessa, esperar comentários, respostas que nunca chegam. Mas não fomos nós que criamos a coisa? Que desperdiçamos cada vez mais horas grudados na tela, aposentando dicionários por google e e-pédias e tornando Mark megatrilionário? Me ocorre a palavra “tráfico”. Surfar nestas plagas vicia como cocaína e mostra que a vida também pode ser perfeitamente decomposta por clicks inocentes. Isso não é futuro. Já aconteceu: somos todos dependentes eletrônicos.
É hora de aposentar discos rígidos e trocá-los por um pouco de memórias insólitas.