Segundo Santo Tomás de Aquino, qualquer obra começa com a razão. Nada pode iniciar-se sem a razão. Por mais busquemos explicações racionais para o que está ocorrendo hoje no mundo, é difícil encontrar qualquer inteligência na condução política da sociedade contemporânea. A espécie parece renunciar ao seu primeiro dever, que é o da sobrevivência. A fome assola ainda grande parte do planeta, enquanto cereais absolutamente necessários à alimentação humana, como o milho e a soja, são consumidos na produção de combustíveis — alimento das máquinas, como são os automóveis. O brasileiro José Graziano, diretor-geral da FAO, pediu oficialmente aos Estados Unidos que suspendam a produção de etanol a partir do milho, enquanto a situação atual persistir.
A seca que acossa mais de 60% do território agricultável dos Estados Unidos já começou a pressionar os preços dos cereais e, em consequência, de todos os alimentos, como as carnes e os laticínios. No Brasil, enquanto crescia a produção para a exportação (como a de algodão e soja) reduziu-se a área plantada de feijão e arroz — os dois produtos básicos da alimentação nacional.
A agroindústria atuou com a “sua” razão, a do lucro. Se o mercado internacional pede soja, para a produção de rações e de óleos, por que plantar feijão e arroz para o consumo humano interno, a preços estáveis? Não houve a razão maior, a de que feijão e arroz fazem parte de nossa cultura, e a eles está afeito o metabolismo da maioria absoluta dos brasileiros.
O planejamento da economia pelo Estado é necessário. E mais necessário ainda quando se trata de alimentos: José do Egito, como ministro do faraó, soube disso pelo sonho, mas os planejadores modernos dele não se valem, mesmo contando com todos os recursos atuais da ciência.
A prioridade nos financiamentos oficiais à agropecuária deve ser para a produção destinada ao consumo interno. Maquiavel, em seus estudos sobre a guerra, diz que a comida é mais importante do que “os ferros” em um conflito bélico. Os celeiros devem estar mais providos do que os depósitos de pólvora.
O Brasil se esforça, nestes últimos anos, a fim de elevar a qualidade de vida de seus cidadãos marginalizados pelo descuido do Estado, historicamente dominado pelas oligarquias rurais, os banqueiros e as empresas estrangeiras. O primeiro resultado desse esforço foi o aumento de consumo de alimentos pelos que antes apenas consolavam a fome com feijão ralo e farinha de mandioca. Os milhões e milhões de brasileiros que passaram a ter a mesa mais farta não podem ser desiludidos agora.
O pior é que a escassez de arroz e feijão não se limita aos Estados Unidos, em razão da seca, nem ao Brasil, por causa da ganância do agronegócio, mas se estende também à Ásia, que é, de longe, a região que mais consome arroz. Os preços, como é natural, subirão, e só os que, lá e aqui, contam com renda maior, terão como consumi-lo nos próximos meses.
Conviria ao governo exigir, ao outorgar o financiamento de custeio da safra, que a cada hectare cultivado com cereais destinados à exportação se cultivasse área igual, com os alimentos de consumo interno, como o feijão, o arroz, o milho e a mandioca.
Seria bom que adotasse essa medida, ou outra que tivesse o mesmo efeito, ainda a tempo para influir na próxima safra. Do contrário, poderemos nos confrontar com graves problemas sociais no futuro próximo. A população que começou a comer melhor não aceitará voltar à fome ou à meia-fome de antes.