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Incomodado, executivo larga carreira e cria aplicativo para fiscalizar políticos

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Imagine que a sua empresa contrate um fornecedor, em um acordo de quatro anos, e que, depois de assinada toda a papelada, não haja mais meios de monitorar o desempenho de quem você empregou. Agora, imagine que você é esta empresa, e que o fornecedor em questão é o político que você elegeu.

Pois é com esta analogia que o empresário Mario Mello, 52, gosta de explicar o aplicativo que criou, o Poder do Voto.

Em funcionamento há cerca de um ano, a ferramenta nasceu justamente da necessidade de se seguir o trabalho dos parlamentares após as eleições. Na prática, ela permite que o usuário acompanhe a performance de até três senadores e um deputado.

Além de saber como cada um se posicionou nas votações da casa, também é possível comentar sobre as leis.

"Se você ficar muito decepcionado com seu político, o aplicativo te apresenta outro que tem mais o seu perfil", afirma Mello, lembrando que, no Poder do Voto, é permitido trocar os políticos seguidos a qualquer momento.

Atualmente, são 40 mil usuários ativos, com 700 a 1.000 downloads gratuitos semanais. O custo mensal de funcionamento é de cerca de R$ 8.700, segundo o empresário, que diz ter investido pesado em automatização.

Para colocar o aplicativo de pé, os criadores contaram com doações de pessoas físicas. "Não recebemos dinheiro de empresas, mas, sim, de executivos e pessoas que conheci nesses 30 anos trabalhando. Bati na porta deles e recebi cheques de R$ 2.000 a R$ 200 mil", relembra Mello. "Levantamos R$ 891 mil. Isso deu para um investimento de R$ 600 mil em tecnologia."

Isso fora os R$ 5 milhões que o empresário recebeu e contabilizou em forma de pro bono. "A corrente do bem é um dos marcos principais do aplicativo para mim. Ao todo, 14 empresas se engajaram de alguma forma a entregar recursos. A ideia foi ganhando corpo, e vários executivos se voluntariaram. Isso não estava no meu planejamento."

Há dois anos, Mello se viu "muito incomodado" com os rumos do país. "Comecei a me interessar por política porque vi o impacto que a corrupção tinha. Eu achava que o Brasil tinha problemas, mas fiquei muito impactado. Daí pensei sobre como poderia usar a tecnologia para criar vigilância, como ser um instrumento de cidadania e cobrança", define.

"Precisamos entender o impacto que a desesperança tem nas pessoas. Ficava impressionado, por exemplo, com a quantidade de pessoas me perguntando em quem deveriam votar. Tem uma questão da terceirização, e falta ver com clareza o impacto que aquele voto tem para o seu país e para sua família", diz.

Para ele, a solução não seria votar melhor ou pior, mas, sim, que as pessoas votassem em quem acreditam.

"Você sabe o que um deputado realmente pensa quando ele vota. É ali que o cidadão vai verificar. A gente não pode ter esse processo de desalento de quatro em quatro anos, nem esperar quatro anos para descobrir se aquele cara me representou ou não".

Tratava-se, nas palavras do empresário, de empoderar as pessoas. A criação do Poder do Voto seria uma maneira de "retornar para a sociedade" o que anos como CEO de grandes empresas lhe trouxeram.

Para investir tempo e dinheiro no aplicativo, Mello largou o comando do PayPal América Latina, cargo que ocupava depois de passagens por Visa, Banco Real e Cielo.

Daqueles tempos, ele diz ter herdado o trabalho com foco em metas e objetivos, mas entendeu que também havia muito a assimilar.

"Tem sido um aprendizado. Antes eu era movido a ferramentas como bônus, e é muito bonito ver pessoas doando seu tempo só com o objetivo de trazer transparência."

Este conceito, aliás, também aparece na avaliação da outra ponta abarcada pelo app.

"O aplicativo se complementa às redes sociais nessa interação com o cidadão, que é o que torna o parlamentar mais responsável pelos seus atos junto ao eleitorado e ao Brasil", avalia o deputado federal Vinicius Poit (Novo-SP).

A Lei de Combate ao Abuso de Autoridade, Escola sem Partido e a redução da maioridade penal são alguns dos temas que o deputado João Henrique Campos (PRB-PE) acompanhou via Poder do Voto. Para ele, o aplicativo é "um grande termômetro" por meio do qual é possível avaliar ações no âmbito legislativo.

São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são os estados com o maior número de usuários ativos de acordo com Mello, que, hoje em dia, vive da renda proveniente dos conselhos em que ainda participa, de consultorias e da economia que acumulou no mundo corporativo.

(MARCELLA FRANCO)