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Aos poucos, medicina avança contra o câncer de pâncreas, um dos mais letais

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Tumores de pâncreas não são tão comuns –somam 2% de todas as neoplasias diagnosticadas no Brasil–, mas são especialmente letais: apenas 1 a cada 10 pessoas permanece viva cinco anos após o diagnóstico, de acordo com estatísticas americanas. No caso do câncer de mama, por exemplo, esse índice é de 9 em cada 10.
Uma das razões para esse dado devastador da doença pancreática é a dificuldade de diagnosticá-la; outra é a resposta insatisfatória ao tratamento, seja ele cirúrgico, quimioterápico ou radioterapêutico. Pesquisas recentes, porém, dão boas notícias em ambas as fronteiras.
Na área de tratamento, médicos do A.C.Camargo Cancer Center mostraram num trabalho publicado no Journal of Surgical Oncology que a cirurgia pode ser uma boa alternativa (quando o caso permite) e que a expectativa de sobrevida após cinco anos, antes calculada em cerca de 25%, pode estar aumentando.
Foram analisados 739 casos de câncer de pâncreas diagnosticados entre 2008 e 2016 em pacientes que passaram pela instituição em algum momento. Desse total, 177 foram operados, e 30,5% dessas pessoas estavam vivas após cinco anos. Para aqueles operados no próprio hospital, o resultado foi um pouco melhor: 33,8% de sobrevida após cinco anos.
Todos os pacientes cujo tumor não podia ser operado ou que já estava em metástase (estágio avançado, em que o câncer se espalha pelo corpo) já haviam morrido cinco anos depois. A maior parte dos casos de câncer de pâncreas se dá em pessoas acima dos 60 anos e, no caso da amostra do A.C.Camargo, 40% dos pacientes tinham diabetes e 53% tinham histórico familiar de câncer (mas só 4,8% de câncer de pâncreas especificamente). Cerca de metade já tinha metástases.
Ainda assim, os pacientes metastáticos viveram cerca de nove meses, mais do que o quádruplo do observado em estudos mais antigos. Isso representa um indício da evolução de outros tratamentos, como os de quimioterapia e radioterapia.
Apesar de o avanço global não ser tão grande, os pesquisadores são otimistas quanto ao futuro. "Esses dados, de certa forma, desmontam a tese de que o câncer de pâncreas não tem soluções terapêuticas", diz Felipe Coimbra, coordenador do estudo. Para ele, conhecer as peculiaridades de cada paciente permite promover um tratamento personalizado e ainda mais efetivo.
Outra trincheira da guerra contra o câncer de pâncreas é o diagnóstico. Grande parte dos casos só são tão graves por causa da dificuldade de detecção.
"Na maioria dos casos, a doença segue com poucos ou nenhum sintoma e só dá sinais quando já se encontra em estágios mais avançados. Outro fator é que não existem ainda testes eficazes para a detecção de tumores em estágios iniciais. Os que se encontram disponíveis são pouco sensíveis, e geralmente os marcadores só apresentam-se elevados com a doença já em estágio avançado", diz Helio Magarinos Torres Filho, membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial e diretor do laboratório Richet, no Rio.
Um estudo publicado neste ano na revista Clinical Cancer Research aponta melhora no cenário. Hoje, cerca de 40% dos casos de câncer de pâncreas podem ser detectados a partir do biomarcador CA19-9.
Outros casos dependem de exames de imagem ou biópsias, por exemplo, já que nem sempre as células tumorais produzem essa molécula.
A nova pesquisa, conduzida por cientistas do Instituto Van Adel, em Michigan (EUA), e de outras instituições americanas, propõe o uso de um outro marcador, o sTRA, outra molécula que às vezes é produzida pelas células tumorais, em conjunto com o CA19-9.
Juntos, os dois marcadores podem detectar corretamente o câncer em 65% dos casos, sem prejudicar a especificidade, ou seja, a identificação correta de resultados negativos. Os experimentos foram feitos com 147 amostras de plasma humano.
"Existe hoje grande interesse da comunidade científica na pesquisa de métodos mais eficazes para a detecção precoce deste tipo de tumor. Entretanto, até o momento, não temos um marcador robusto que seja usado na prática clínica", diz Torres Filho, que não participou do estudo.
O método desenvolvido pelos cientistas americanos ainda deve ser aperfeiçoado no futuro com o uso de mais marcadores, especulam os autores no artigo.
"O verdadeiro valor [do teste] vai se tornar mais claro como tempo [...]. Baseado a performance que observamos, esse painel de biomarcadores poderá ser importante para o monitoramento de pessoas em alto risco de desenvolver câncer de pâncreas", concluem.
Alguns dos sinais sintomas do câncer de pâncreas são icterícia (pele e olhos amarelados, urina escura, fezes muito claras ou gordurosas, coceira), dores na barriga e nas costas, náusea e vômito, aumento do fígado e da vesícula biliar, trombose e, mais raramente, diabetes.

GABRIEL ALVES