João Pequeno, Jornal do Brasil
RIO - Muitas dos pacientes que chegam a um consultório se automedicaram primeiro e procuraram um médico depois de ver que não melhoraram, atesta o clínico e infectologista Alex Botsaris, atribuindo parte desse fenômeno a uma cultura de informalidade no Brasil que leva as pessoas a procurarem, primeiro, soluções caseiras .
Há muitos fatores que levam a isso, inclusive o pouco acesso que as classes C e D têm à saúde, por motivos que vão da falta de dinheiro às dificuldades de atendimento em hospitais públicos. Então, é comum, em vez de irem ao médico, pedirem orientação ao balconista da farmácia, onde medicamentos de tarja vermelha são vendidos livremente, quando deveriam ser somente sob prescrição médica.
A tarja vermelha de prescrição, de fato, não é empecilho, como o JB verificou na tarde de sexta-feira em uma farmácia no Rio Comprido.
Cataflan (anti-inflamatório de tarja vermelha) é muito pedido contra dores conta o auxiliar de gerente José Ivanildo Rosa, admitindo que os vende sem prescrição médica. Tarja preta é que a gente não vende, porque é controlado.
Outro anti-inflamatório, nimesulida, assim como demais remédios de tarja vermelha, também foram vendidos livremente a outros clientes na mesma drogaria.
Consulta com balconistas
O hábito de se consultar com os balconistas também foi confirmado na mesma farmácia.
Gripado desde quinta-feira, o bancário Danilo Luna, de 26 anos, foi comprar um Naldecon (Paracetamol, um dos medicamentos com propaganda suspensa pela Anvisa) recomendado pela mulher, que não é médica e acabou convencido pelo atendente a levar Cime Gripe que tem a mesma substância, mais maleato de clorfenamina e cloridrato de fenilefrina, em menores quantidades.
O cara disse que é para gripe resumiu Danilo, acrescentando que sempre recorre a remédios conhecidos quando tem gripe, sem se consultar. Se, ainda assim, eu piorar, vou ao médico afirmou, enquanto a estudante Livia Rodrigues, 19, comprava, por hábito um Tylenol para levar na viagem de volta para sua cidade, Graça, no Ceará.
O mesmo balconista, em vez de vender, demoveu a vendedora Vânia Rafaele dos Santos, de 21 anos, de comprar um remédio para a secreção no olho do filho Matheus, de 10 meses.
Pedi uma indicação, mas o rapaz do balcão disse que eu devia ir a um médico antes contou Vânia, que, na quinta, havia desistido de consultar o filho no Hospital Municipal Salles Neto por não conseguir senha. Ela saiu da farmácia com uma dipirona, porém. A pediatra disse para dar a ele sempre que tivesse febre explicou.
Este tipo de ato não é condenado por Botsaris. Segundo o infectologista, este caso se encaixa na chamada automedicação positiva , em que o médico educa o paciente a se tratar quando só .
Um diabético, por exemplo, deve ser orientado pelo médico a aplicar insulina sozinho.
Quanto à suspensão das propagandas determinada pela Anvisa, Alex Boltsaris é cético.
Usar dipirona para febre não tem problema. O conhecimento já permeou para a sociedade. O principal fator de risco não está na propaganda, mas na farmácia, com venda livre de medicamentos que deviam ser controlados. A Anvisa gosta de causar aparente impacto, mas fiscalizar farmácia, assim como se os medicamentos estão com a formulação correta, é mais difícil.