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SÃO PAULO - O BNDES não esconde o jogo: tem o objetivo de constituir uma empresa farmacêutica de capital nacional e alcance global. A reunião de dois ou três laboratórios brasileiros resultaria numa indústria com faturamento anual de 2 bilhões de dólares, que poderia aplicar 5 por cento desse valor em pesquisa e desenvolvimento, seria uma iniciativa de grande porte para os padrões locais.
Essa é a mensagem que o banco de fomento vai levar a representantes da indústria em um encontro no final de novembro com associações do setor, quando apresentará formalmente a versão ampliada do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde, o Profarma. O BNDES tem 3 bilhões de reais para aplicar até meados de 2012 no programa.
- Continuamos acreditando que o setor farmacêutico precisa se consolidar. Precisamos construir empresas grandes que possam concorrer nos Estados Unidos e na Europa - afirmou o diretor do departamento encarregado do Profarma, Pedro Palmeira, à platéia do fórum 'Um modelo para a Política Farmacêutica', do Projeto Brasil, na semana passada.
O movimento nessa direção tem certa urgência, segundo o executivo do BNDES. O Brasil passa por um momento favorável, com quatro empresas de capital nacional entre as dez maiores do setor, de acordo com o ranking IMS Health, de setembro.
- Se não aproveitarmos a onda, esse potencial vai ser comido por empresas estrangeiras. Todo país desenvolvido tem indústria farmacêutica forte - declarou Palmeira à Reuters.
A Índia e a China são exemplos de países que avançaram e hoje são exportadores, inclusive para o Brasil.
A balança comercial brasileira do setor completará em dezembro uma década de déficit anual acima de 1 bilhão de dólares FOB. O cenário piorou com a valorização do real nos últimos quatro anos, estimulando a importação de medicamentos acabados e de matéria-prima, os princípios ativos. Só este ano até setembro, o déficit já superava os 2 bilhões de dólares.
O BNDES descarta que o foco sejam as exportações, alega que prefere o desenvolvimento do mercado local, mas quer a transferência de tecnologia para o país --e isso seria possível com a criação de uma multinacional brasileira. O BNDES gostaria de ter uma fatia minoritária, mas isso não é uma exigência. Em pequenas empresas, o banco já tem 33 por cento da Nanocore e 20 por cento da Nortec, da Genoa e da Bioinovation.
Os laboratórios brasileiros, controlados por grupos familiares e sem ações na bolsa de valores, têm se mostrado aderentes ao conceito de uma grande farmacêutica nacional, mas sinalizam uma disputa pela liderança dessa consolidação e optam por uma estratégia mais cautelosa.
A Aché, por exemplo, terceira no ranking por faturamento, com 1 bilhão de reais em 2006 (a maior é a brasileira EMS, com 1,4 bilhão de reais), admite que está prospectando o mercado. Os preços dos ativos não estão baixos, segundo o principal executivo do Aché, o diretor-geral de operações José Ricardo Mendes da Silva, mas também não há dificuldade em obter capital.
- O que nos atrai são produtos de marca e, principalmente, laboratórios de pesquisa. Gostaríamos muito de unir forças com outros laboratórios que têm pesquisa, desde a radical até a incremental - afirmou Silva à Reuters, nesta segunda-feira.
Pioneira na articulação com o BNDES, tendo obtido em 2006 quase 300 milhões de reais do banco de fomento mais 450 milhões de reais em empréstimos de instituições privadas para a aquisição da brasileira Biosintética Farmacêutica, a Aché vê a possibilidade de combinar renda variável e renda fixa para aquisições.
Mas primeiro quer ter o plano de investimentos definido.
- Nossa visão é que fazer abertura de capital para manter recursos em caixa não é interessante - disse Silva. No radar das prospecções está até o Sul da Europa.
Na indústria farmacêutica local, apenas a Farmasa deu os passos iniciais para a oferta de ações, tendo registrado pedido na Comissão de Valores Mobiliários. Os recursos devem ser utilizados, em parte, para 'a aquisição seletiva de empresas e/ou produtos estratégicos'.
Assim, afirma o laboratório na minuta do prospecto preliminar da oferta, aumentaria a participação no mercado brasileiro. Em 2006, o Farmasa adquiriu a Barrenne Indústria Farmacêutica por 52,3 milhões de reais.
Já o Cristália, líder em volume de vendas para hospitais e quarta em valores nesse segmento, avalia que está bem capitalizada para a expansão passo-a-passo que planeja. Com faturamento de 515 milhões de reais em 2006, o laboratório afirma reinvestir 90 por cento do lucro anual.
A empresa lança esta semana um medicamento para o tratamento da disfunção erétil, o Helleva, resultado de sete anos de pesquisas para o desenvolvimento da molécula sintética. Na linha do que espera o BNDES de uma indústria nacional inovadora, o Cristália foi procurado por quatro multinacionais que teriam interesse em ficar com a segunda marca do produto. A brasileira Aché informou que também está na negociação.
- A Cristália é uma menina bonita cheia de pretendentes - afirmou o presidente do Conselho de Administração, Ogari Pacheco, no evento da semana passada. A estratégia 'cabeça nas nuvens e pés no chão', como ele a batizou, inclui o possível licenciamento do produto para EUA e Europa.