Mirian Goldenberg *, Jornal do Brasil
RIO - O sociólogo francês Pierre Bourdieu afirmou que os homens tendem a se mostrar insatisfeitos com as partes de seu corpo que consideram pequenas demais enquanto as mulheres dirigem suas críticas às regiões de seu corpo que lhe parecem grandes demais. O autor acreditava que a dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos homens, como objetos receptivos, atraentes, disponíveis. Delas se espera que sejam femininas, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, delicadas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas. Neste caso, ser magra contribui para esta concepção de ser mulher.
Um exemplo deste tipo de dominação masculina é o que está ocorrendo no Brasil. A anorexia e a bulimia parecem ter evoluído da condição de patologia para a categoria de estilo de vida. Inúmeras páginas pessoais na internet divulgam movimentos pró-anorexia e pró-bulimia. São chamadas de amigas da Ana e amigas da Mia , dando dicas para aquelas que desejam aderir a um estilo de vida que tem a magreza como modelo a ser seguido. Milhares de adolescentes estão usando a internet para ensinar outras jovens a serem anoréxicas e bulímicas, pregando a inapetência e a autopunição sempre que comerem. As páginas são assustadoras com fotografias de meninas esquálidas apontadas como modelos de beleza, truques para enganar os pais e amigos para fingir que estão alimentadas e formas de se punir caso comam algo que engorda. Os sites divulgam os seguintes mandamentos: Você não deve comer algo que engorda sem se punir depois. Ser magra é mais importante do que ser saudável. Ser magra é a coisa mais importante que existe. Não engula! Morda, mastigue e jogue fora! Durma pouco. Dessa forma você queima mais calorias. Limpe banheiros ou ambientes bem sujos. Você perde a fome .
Por outro lado, dentro da mesma lógica de dominação masculina, os homens são obrigados a serem fortes, potentes e viris. Inúmeros rapazes já morreram no Brasil por consumirem anabolizantes. Inúmeros adolescentes e meninos desenvolveram o distúrbio dismórfico corporal, representado por uma preocupação excessiva com supostas falhas na aparência, como o tórax pequeno ou o pênis diminuto. Basta uma rápida olhada na internet para descobrir o exagero de técnicas de aumento de pênis hoje comercializadas, sendo a indústria do aumento do pênis uma parte significativa da crescente indústria da imagem corporal masculina, estimulando e aumentando as inseguranças dos homens a respeito dos seus corpos. Homens, meninos e adolescentes sofrem silenciosamente, em segredo, uma vez que, em nossa sociedade, os homens de verdade não devem demonstrar preocupação com a aparência, pois podem ser considerados femininos ou acusados de serem homossexuais.
Para Pierre Bourdieu, a estrutura impõe suas pressões aos dois termos da relação de dominação, portanto aos próprios dominantes, que são dominados por sua dominação , fazendo um esforço desesperado, e bastante patético, mesmo em sua triunfal inconsciência, que todo homem tem que fazer para estar à altura de sua ideia infantil de ser homem . A preocupação dos rapazes e homens brasileiros com a altura, força física, medida do tórax, potência, poder, virilidade e, particularmente, com o tamanho do pênis, pode ser vista como exemplo desta dominação que o dominante também sofre.
* Mirian Goldenberg é antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora de "De perto ninguém é normal" (Ed. Record). www.miriangoldenberg.com.br