Editorial, Jornal do Brasil
RIO - As linhas-mestras de uma política monetária ortodoxa têm parametrizado a atuação daqueles que, já há 17 anos, desde Pedro Malan no governo Itamar Franco, assumiram a titularidade do Banco Central, conferindo-lhe feições marcadamente conservadoras. A austeridade e fundamentalismo dos dirigentes macroeconômicos foram legitimados pontualmente, nesse período, por ambientes tão diferentes quanto a implantação do real, as crises asiática e russa, a especulação quanto ao valor do real na campanha eleitoral de 2002 e, recentemente, a recessão mundial cujo marco emblemático foi a quebra do banco Lehman Brothers.
Tal conservadorismo, em verdade, deveria estar longe de ser um mantra; uma quase-ideologia a vigorar com insensibilidade a outras dimensões da economia, como a política industrial ou o comércio exterior. O próprio Keynes, resgatado das sombras do conservadorismo econômico quando o mundo precisou de criatividade no enfrentamento da crise precipitada pelos subprimes nos EUA, entendia que a ortodoxia monetária e fiscal, em vez de um paradigma, era na realidade instrumento à la carte, em resposta ou prevenção a situações de real dramaticidade quanto a níveis de liquidez, estoques e preços gerais da economia.
Neste contexto, torna-se triste reconhecer que, incensado por loas ao conservadorismo, o Banco Central por vezes chega a instrumentalizar fatos e dados como se a ortodoxia não fosse meio, mas fim último da política econômica. Sexta-feira, por exemplo, explicitou-se o casamento entre os desejos do Banco Central e sua manipulação no que o Boletim Focus chama de expectativa de taxa de juros. O presidente do BC emitiu sua mensagem: Haja o que houver, o Banco Central vai atuar de forma consistente, o que significa não evitar decisões tecnicamente justificadas que, em curto prazo, possam parecer antipáticas ou impopulares .
Hoje, há ampla divergência nos mais seletos salões de decisão quanto à política monetária. Fica difícil achar que com a fala de sexta-feira não tenha caído a máscara a ocultar preferências do BC: aperto para uma economia, como a brasileira, em plenas condições de alçar voos mais ambiciosos para seu crescimento econômico. E, se sinais no horizonte apontam para aquecimento da demanda ou outras pressões inflacionárias, por que não implementar rápidos e igualmente eficientes mecanismos de incentivo à produção e portanto conducentes ao equilíbrio entre oferta e demanda?
Em valor empírico, as eventuais decisões tecnicamente justificadas encontram-se pouco consensualizadas entre os agentes econômicos, sobretudo no que diz respeito ao que o BC pode intuir com vistas à necessidade de aumentar a taxa de juros na próxima reunião do Conselho de Política Monetária, em 16 e 17 de março. No entanto, a fala do Dr. Meirelles da última sexta pouco fez para contemplar os que apostam na produção. Bastou seu sinal para que o mercado aguçasse a inteligência e a taxa de juros futuros disparasse rumo ao patamar aparentemente desejado pelo BC.
Embora em níveis historicamente baixos, o preço do dinheiro no Brasil ainda é dos mais caros do mundo e a taxa de juros real no país sustenta-se, mesmo antes das sinalizações ascendentes do presidente do BC, acima dos 4% ao ano, enquanto ao redor do mundo este nível gravita em torno de 0%.
Não seja por excesso de zelo ou apego fundamentalista à ortodoxia monetária que o país deixe escapar mais uma oportunidade de rumar de forma ainda mais vigorosa ao crescimento sustentado.