Antonio Carlos Lemgruber, Jornal do Brasil
RIO - A discussão atual sobre a taxa de câmbio no Brasil parece indicar que não existe uma solução razoável para resolver definitivamente o dilema cambial. Qual é esse dilema? A melhor taxa de câmbio para a inflação é a pior taxa de câmbio para o crescimento econômico e para a balança comercial.
No momento, a taxa de câmbio dólar/real em torno de 1,70 está agradando aos que não querem de modo algum ver a volta da inflação, mas está matando os exportadores e consequentemente o emprego e a renda real. Ou seja: a taxa está supervalorizada em um nível que pode ser o mesmo dos idos de 1994 (quando ficou abaixo de 1 por 1) ou que está repetindo experiências populistas de taxas fixas de câmbio entre 1945 e 1960 com Dutra, Getúlio e Juscelino e novamente com João Goulart (1962 a 64).
Durante o período que foi de 1968 a 1994, o câmbio e a inflação se moveram geralmente em paralelo no que foi chamado de sistema de minidesvalorizações, mas é óbvio que não foi uma solução completa na medida em que a inflação sem uma âncora só fez acelerar passando de 20% a quase 2000%.
Em 1999, no início do segundo governo FHC, houve uma ameaça de introdução de bandas, mas que fracassou devido ao grau de supervalorização da moeda brasileira e também por crises políticas dentro do Banco Central. Finalmente, adotou-se o regime de câmbio flexível a partir de 1999 juntamente com o sistema de metas de inflação.
Gostaríamos de argumentar que o sistema de bandas cambiais é perfeitamente capaz de conciliar independência monetária (e portanto controle da inflação) com um ritmo de atividade econômica e de exportações mais condizentes com as necessidades de crescimento do emprego e da renda no país.
Vamos imaginar, por exemplo, 1,80 no limite inferior e 2,40 no limite superior uma banda larga de 25% ou 33% dependendo da medida com base no limite inferior ou superior.
Autores como Paul Krugman ou Lars Svensson (um dos criadores do sistema de metas de inflação) já demonstraram matematicamente que a independência da política monetária via taxas de juros permanece. Quando o câmbio se aproxima do nível inferior, a mera expectativa de desvalorização quebra a especulação desestabilizadora que existe no regime atual (pois os agentes acham que vai apreciar sem fim). E vice-versa no limite superior: uma desvalorização na direção de 2,40 gera expectativas de apreciação e correção estabilizadora.
A inflação vai muito bem obrigado, mas isto não é o caso da produção de tradables manufaturados, semimanufaturados ou mesmo agroindustriais. Estamos atingindo um ponto em matéria de câmbio que beira o populismo. Aparentemente, o governo descobriu que inflação zero é mais importante do que desemprego baixo na hora dos votos já que a inflação afeta todo mundo e o desemprego numa visão cínica somente afeta os desempregados.
Em diversos paises do mundo se adotam as bandas cambiais, inclusive no sistema monetário europeu. Tudo indica que a China caminha nessa direção, abandonando a taxa fixa. O Brasil não pode se dar ao luxo de ter taxas livremente flutuantes de câmbio em face do efeito devastador dos fluxos financeiros e ao mesmo tempo da thiness (finura segundo Mundell) do mercado de câmbio.
O sistema de metas de inflação é perfeitamente compatível com as bandas cambiais. Já mencionamos que Lars Svensson, economista sueco, defende as duas coisas. Se o câmbio desvaloriza dentro da banda na direção de 2,40, a taxa de juros permanece instrumento poderoso (acoplada com a expectativa que vai sendo criada de apreciação cambial). É exatamente o que ocorre atualmente exceto pelo fato de se evitar a especulação desestabilizadora quando uma apreciação gera expectativas de novas apreciações e uma desvalorização gera expectativas de novas desvalorizações. Isto acaba e se reverte num processo de autocorreção que só faz ajudar o sistema de metas de inflação que prioriza a taxa de juros.
Está na moda dizer que a taxa de câmbio está relacionada ao nível de poupança. Daí o fato de se poder ter um câmbio tão desvalorizado na China e um câmbio tão valorizado no Brasil. Nada mais falso. A correlação entre taxa de poupança e grau de supervalorização cambal não tem comprovação empírica. É apenas uma nova teoria aparentemente elegante mas sem evidências concretas.
O Brasil precisa urgentemente adotar bandas cambiais para evitar o risco de se chegar à loucura de uma taxa de câmbio de 1 para 1, o que seria muito pior do que no período 1994-1999 quando traduzido em termos deflacionados.
Antonio Carlos Lemgruber é ex-presidente do Banco Central.