Ana Cristina Barros , Jornal do Brasil
RIO - Podemos comemorar! O anúncio do compromisso do governo federal com a redução de emissões de gases que alteram o clima é tão positivo quanto necessário. Uma grande vitória para o Brasil e, quem sabe para o mundo, a depender das negociações em Copenhague. A constância na redução do desmatamento na Amazônia é também motivo de comemoração. Mais ainda é a inclusão de metas para redução do desmatamento do cerrado nos compromissos para o clima. Afinal de contas, o valor da conservação das árvores mais baixas e mais esparsas do cerrado ou as suas vastas áreas de campos naturais ainda não é bem entendido por muitos. Isso para falar só no que é visível, pois a quantidade de raízes no solo do cerrado a floresta de cabeça para baixo, e o tamanho do reservatório que ele sustenta estão longe dos olhos. Mas o cerrado está no compromisso nacional para o clima e isso deve ser celebrado. Cumprir a meta anunciada, ainda que voluntária, depende em grande parte do controle do desmatamento na Amazônia e no cerrado. É aí que a comemoração vira expectativa e agenda de trabalho a ser continuado, com a mesma atenção e pressão da sociedade.
Acontece que para controlar desmatamento ou manter as baixas taxas conquistadas na Amazônia são necessárias ações políticas e de campo para gerenciar cada propriedade rural no país. O Código Florestal Brasileiro, existente desde a década de 60 e aprimorado no fim dos anos 90, vai ter que deixar de ser objetivo de disputa no Planalto ou no Congresso Nacional para virar realidade em campo. É o Código que dá a base para os compromissos assumidos pelo Brasil para o clima, pois prega que em cada propriedade rural a vegetação nativa deve ser mantida nas margens dos rios e na áreas passíveis de erosão (encostas e topo de morro), preservando também o solo e a água dos rios. Segundo o Código, cada propriedade deve ter uma reserva legal, um percentual da sua área total onde também a vegetação nativa deve ser mantida neste caso, com possibilidades de usos, a não ser o desmatamento. Fundamental, mas pouco posto em prática.
Implementar o Código Florestal significa cadastrar cada fazenda, desenhando seus limites em mapas digitais revisados e com escala adequada. A estes, se somam imagens de satélite de boa resolução que permitem o monitoramento da cobertura vegetal e do uso do solo em cada fazenda. Assim, e só assim, o governo pode ou não conceder autorizações de desmatamento ou uso alternativo do solo. O Código prega que para desmatar o produtor tem que pedir autorização. Consequentemente, o governo deve lhe conceder ou não esse direito, e monitorar a sua realização. Este cadastro chama-se Cadastro Ambiental Rural (CAR). Sem ele é como dirigir sem habilitação.
É também o CAR que permite que as ações de controle de desmatamento na Amazônia passem para a sua segunda fase. Hoje, o crédito público para quem não tem cadastro está proibido. Municípios com as maiores taxas de desmatamento estão listados oficialmente pelo Ministério do Meio Ambiente e perdem benefícios concretos, além de terem seus prefeitos e produtores rurais com reputação e entrada manchada no mercado. A moratória da soja, conquistada frente aos principais compradores internacionais, ou os acordos para a produção de carne na Amazônia, tem apenas no cadastro a sua estratégia de saída. Como parte dos compromissos de melhoria da qualidade da produção pecuária na Amazônia, o próprio BNDES estipulou um cronograma de regularização a ser cumprido até 2016. Isso porque é só com o cadastro que os produtores podem comprovar a origem dos seus produtos (no caso da carne, associando, ainda, o CAR às técnicas de rastreamento do gado). Um esforço nunca visto tem que ser feito para se implementar o CAR no campo. Essa é a agenda nacional a ser cumprida, cuja tendência indica que deve ser iniciado pela Amazônia e, na sequencia, se estender pelo cerrado.
As condições para isso não estão dadas, contudo. Os ruralistas do Congresso Nacional encontram na baixa implementação do Código Florestal espaço para pregar a sua inviabilidade. Não veem os resultados de vários projetos de campo que têm encontrado receptividade e mecanismos para implementar a legislação e ajudar governo, sociedade e produtores privados a comprovar que dá para manter a produção agrícola ao mesmo tempo em que se conserva as florestas. Essa é a primeira batalha a ser vencida para se consolidar o compromisso de redução de emissões. Fazer entender aos congressistas que a revisão do Código deve ser pautada pela sua complementação, para a incorporação de mecanismos de incentivos aos estados gestores e produtores que buscam a regularização e a sustentabilidade, hoje em dia largamente exigidos em qualquer mercado.
Do governo federal, espera-se, agora, a coordenação da sua base no Congresso para viabilizar o compromisso tão orgulhosamente apresentado. Dos congressistas, espera-se atenção ao seu eleitorado, que em repetidas pesquisas de opinião já se mostrou contrário à flexibilização da legislação ambiental e entendedor de que, num país do tamanho do Brasil, cabem recordes de produção ao lado de recordes de conservação.
Ana Cristina Barros é representante nacional da The Nature Conservancy (TNC).