Edmar Oliveira , Jornal do Brasil
RIO - Há nove anos, com uma equipe dirigente moldada pelos ideais da Reforma Psiquiátrica, o Instituto Municipal Nise da Silveira vinha desenvolvendo um projeto de desintitucionalização do antigo hospício, herdeiro do Hospício de Pedro II, primeiro manicômio da América Latina. Por essa herança, sabíamos que os acontecimentos ou chamavam atenção para que fosse possível uma sociedade sem manicômios lema da Reforma Psiquiátrica , ou correntes contrárias seriam mais fortes e impediriam a proposta.
O projeto em execução previa aos Centros de Atenção Psicossociais (CAPs: dispositivos para substituir os velhos manicômios), a transferência da emergência psiquiátrica para uma emergência geral e a transformação dos pacientes crônicos do hospital (de 3 a até 40 anos de internação) em cidadãos regulados por um programa de moradia (baseado na portaria ministerial 106/2001, dos Serviços Residenciais Terapêuticos). Essa construção foi executada nesses nove anos, mesmo com as mudanças de governos (fato raro no Brasil).
No projeto de Moradias, para citar exemplos, pacientes tirados das enfermarias vivem hoje em apartamentos ou residências dentro do Instituto. São 122 pessoas que agora possuem identidade e CPF. A maioria conta com bolsa auxilio à desospitalização, ou outro beneficio, já que a cidadania exige dinheiro. De vidas soterradas no manicômio, passaram a ser histórias que emocionam. Que diga Seu João Barbeiro que, com o auxílio, foi aceito de volta por sua pobre família no Vale do Jequitinhonha, após 30 anos internação.
Agora, estamos diante de um dilema: ou o projeto avança ou recua, não pode ficar no estágio em que se encontra. Com a nova administração da prefeitura não houve diálogo. Nosso antigo hospital federal (que foi municipalizado) tinha sua estrutura vertebral nos servidores federais, mas desde janeiro passou a ser ocupados por servidores municipais, o que inviabiliza nossa administração e arranha os princípios do SUS. No inicio do ano houve um corte linear de 25 % nos contratos, que já tínhamos enxugado ao máximo. O contrato de Vigilância, por exemplo, foi reduzido a três homens à noite para 78.000 metros quadrados de área. Uma exposição ao risco irresponsável. A paralisação do serviço de manutenção hospitalar (que já era precário) inviabilizou pequenos reparos com deterioração da estrutura física (há um projeto de reforma do local de leitos hospitalares que foi feito na gestão anterior e esquecido nesses nove meses). A paralisação das duas caldeiras (falta de manutenção) ocasionou demora na confecção de alimentos e interdição da lavan deria. Estes (e outros) são atos que inviabilizam nossa gestão e por isso pedimos demissão, apesar do pesar de deixar um projeto que quase ficou pronto.
Nesse vácuo, logo vem denúncias e fotos de pacientes descuidados confundindo a falta de condições de trabalho com a clínica prestada aos pacientes. O grande problema escondido (muitas vezes já explícito) é um ataque ao SUS, esse ambicioso plano de saúde, que apesar das dificuldades e da falta de recursos, tem o melhor resultado mundial no combate a AIDS e um Programa de Saúde Mental que se firmava como um dos melhores do planeta (a mudança do financiamento no fim do ano passado paralisou seu crescimento). Se não houver mudanças nas intenções, o que parece uma crise na Saúde Mental logo será revelada em toda rede hospitalar.
* Edmar Oliveira é ex-diretor do Nise da Silveira.