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Valorização do Legislativo

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Dom Eugenio Sales *, JB Online

RIO - Vive-se um ambiente de angústia. Sem dúvida, como peregrinos nesta terra, os sofrimentos sempre estarão presentes. E cada um julga-os excepcionais e ímpares. Contudo, em certas épocas, torna-se mais incômodo o ônus dessa companhia, como misteriosa sombra que nos persegue.

O Brasil de hoje atravessa período de inquietude e de uma perplexidade dolorosa diante do futuro. Poderíamos indagar as causas. Após a luta contra a inflação e os propósitos de suprimir a corrupção, eis que a hidra aparece com maior virulência. Subestimou-se a fraqueza humana, com suas tendências pecaminosas, que não se eliminam pela força e sim pela conversão. Além disso, qualquer autêntica transformação tem seu fundamento no respeito à liberdade e aos direitos humanos. Repetidas vezes, a Igreja alertou para esses e outros desvios, mas foi ignorada e até hostilizada. Em sua posição ética, o pastor sabe da influência desse clima na vida cristã. A desordem repercute no espiritual e prejudica a evangelização. A ele cabe, pois, o dever de recordar alguns valores básicos à necessária recuperação: a confiabilidade nos homens públicos, a decência e a obrigação de fielmente servir, inerente a quem assume a direção dos negócios temporais e a importância do Congresso Nacional.

Busca-se, às vezes, um bode expiatório , alusão bíblica a uma determinação do Senhor quanto aos pecados do povo eleito (Lv 16,15). Os males são atribuídos à crise internacional e até ao crescimento demográfico. Paira, contudo, o silêncio sobre as verdadeiras raízes que geraram, em um país tão promissor, esta lastimável conjuntura, com o enriquecimento de poucos, às custas do empobrecimento da maioria de sua população.

Tais considerações não têm por finalidade aumentar o desânimo. Pelo contrário, há ainda remédios genuínos e eficazes. Entre eles, a verdadeira valorização do Poder Legislativo. A atual conjuntura oferece uma oportunidade para se refletir sobre a responsabilidade social do político, daquele que ocupa, como representante da coletividade, um cargo de tão grande poder decisório. Por ele passa o grande projeto do reencontro do Estado com a nação, do poder exercido em nome do povo, com este que lhe outorgou tal missão em favor do bem comum.

Uma análise, mesmo superficial, de nossa situação sugere duas interrogações: o parlamento está compreendendo suficientemente que chegou a sua vez e hora? Tem revelado sensibilidade às esperanças que se voltam para ele?

Os eleitos receberam o mandato de defender direitos e legítimos interesses da população.

Sei que muitos são cristãos e que todos têm ao menos conhecimento relativo da voz da Igreja, mesmo que sejam divergentes suas convicções e tendências ideológicas. Assim, lembro que já o papa Paulo VI, em sua carta Octogesima adveniens, de 1971, afirmava: A política é uma maneira exigente (...) de viver o compromisso cristão ao serviço dos outros. (...) Esforçar-se-ão os cristãos solicitados a entrarem na política por encontrar uma coerência entre as suas opções e o Evangelho e, dentro de um legítimo pluralismo, por dar um testemunho (...) da seriedade de sua fé (...) (nº 46).

Está escandalizada a nação com o triste espetáculo da disputa sobre assuntos meramente partidários, quando não puramente pessoais. Quaisquer articulações escusas seriam anticristãs, especialmente quando nossa gente sofre, além das consequências da crise econômica, o flagelo de secas e inundações.

A credibilidade dos políticos é necessária e de importância marcante no momento nacional. É constitutiva da própria ordem da sociedade. É fruto de atitudes coerentes e ações concretas, não de palavras altissonantes. E resulta da eficiência de uma colaboração real para resolver a atual crise.

Na sociedade, se cada segmento cumpre seu papel, está resguardada a saúde coletiva, isto é, o bem estar do Brasil. O religioso, em seu campo especifico, deve evangelizar e não o faz se não preserva e fortifica os valores morais. Onde estes se enfraquecem, debilita-se toda a vida de um país. É de sua competência zelar pelos princípios éticos, fundamentos de uma nação. Cabe-lhe, igualmente, educar os fieis acerca da missão dos que exercem o Poder Legislativo.

No governo temporal, a eficácia da atuação do político depende, em parte notável, da confiabilidade que ele inspira ao povo. Seu trabalho obtém frutos se for indubitavelmente respaldado pela clareza e sem subterfúgios na busca do bem comum, acima de interesses pessoais e partidários. Quando isto não ocorre, sabemos ser grave o dano causado não só ao povo, mas ao próprio poder, que então já não assume com o Judiciário e o Executivo a direção da coisa pública.

Há quem alegue eventuais restrições ao poder como condição de melhora. Tal atitude, porém, leva a um círculo vicioso: ele não age melhor por estar limitado e assim continua, por falta de eficiência. Parece-me mais acertado adquirir credibilidade por meio de um procedimento parlamentar correto. À tal credibilidade honestamente adquirida jamais faltará o essencial amparo da opinião pública.

Na situação angustiosa em que vivemos, a valorização do Legislativo é um imperioso dever, primeiramente de seus membros, e, finalmente, de todos os brasileiros. Somente assim, previne-se o risco de uma implosão social.

Em vez de alimentar um clima de pessimismo, de desalento, impõe-se uma decisão de reconstruir o Brasil em suas bases, confiar em seu futuro e trabalhar com afinco por sua sobrevivência. Superar a crise, com a colaboração de todos, é um dever de cada brasileiro e particularmente dos cristãos. Os fracos se acomodam, cruzam os braços; os fortes lutam e vencem.

* Arcebispo emérito do Rio