Bernardo Ariston *, Jornal do Brasil
RIO - Nos últimos anos, o debate sobre desenvolvimento sustentado e, mais especificamente, sobre aquecimento global, tem apontado o investimento em fontes renováveis como solução para atender a crescente demanda de energia no mundo. O que alguns parecem esquecer, no entanto, é que essas fontes de energia podem ser afetadas pelas mudanças climáticas ensejadas pelo efeito estufa. Assumi a presidência da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados e uma das primeiras medidas foi discutir o que deve ser feito para preparar o Brasil para o futuro.
A despeito de todas as iniciativas e do empenho de quase todas as nações para reduzir o efeito estufa, os efeitos da emissão de dióxido de carbono e outros gases responsáveis pelo aquecimento global se fazem sentir. Na última reunião do Painel Internacional sobre Mudanças do Clima (IPCC), realizada este ano em Copenhague, os especialistas presentes declararam que os piores cenários previstos há dois anos estão se realizando. Dessa forma, seguiram eles em seu alerta, estaríamos correndo o risco cada vez maior de que as alterações climáticas se tornem irreversíveis.
Para conter esse processo, é de suma importância a adoção de políticas que visem limpar a matriz energética. Neste particular, o Brasil encontra-se em situação bastante confortável, com 85% de sua energia elétrica proveniente de hidrelétricas, bem como com o uso de biocombustíveis, onde se destaca o álcool como substituto da gasolina.
As fontes alternativas, entretanto, não estão livres dos efeitos das mudanças climáticas. O impacto delas foi analisado em estudo da Coppe/UFRJ, chamado Mudanças Climáticas e Segurança Energética no Brasil. Nele, os pesquisadores procuraram responder duas perguntas. A primeira era identificar como o sistema energético planejado para 2030, pelo Plano Nacional de Energia, responderia às novas condições climáticas projetadas para o período 2071 e 2100. A segunda foi identificar quais seriam as medidas que deveriam ser adotadas. Para isso, eles partiram de dois cenários previstos pelo IPCC um, mais otimista, que prevê baixas emissões de gases do efeito estufa, e outro mais pessimista, que toma por base emissões mais elevadas.
Os dados são preocupantes. A capacidade de produção de energia baseada nas fontes pesquisadas hidrelétrica, eólica e biocombustíveis - nas regiões Norte e Nordeste deverá ser a mais atingida. Com a mudança no regime de chuvas, a produção de energia nas bacias dos rios Parnaíba, Araguaia/Tocantins e São Francisco será a mais afetada. Para esta última bacia, a queda poderá ser de 4,4% e 7,7%. No final do período estudado, a alternativa eólica também estará concentrada no Nordeste e parte do Sudeste, pois a mudança dos ventos deverá inviabilizar a produção no interior do país. Com isso, o potencial de energia eólica do Brasil deverá cair até 60%.
Da mesma forma, a produção de biodiesel a partir da mamona, segundo o estudo, deverá ser bastante afetada. Nenhuma área atual ou potencial terá variação de temperatura dentro da faixa ideal para a planta. O mesmo deverá ocorrer com a soja, outra alternativa para a produção de biodiesel, no Nordeste e no Centro-Oeste.
Como resposta ao desafio de aumentar a participação de fontes renováveis ao mesmo tempo em que se atende ao aumento de demanda provocado pelas mudanças climáticas, foram recomendadas medidas no sentido de racionalizar e reduzir o consumo de energia. Os especialistas observaram que, ao longo do tempo, os programas voltados para o incremento da produção de energia, tal como o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), têm conseguido responder ao aumento da oferta, mas muito ainda pode ser feito.
Em virtude da gravidade das estimativas reveladas pela pesquisa e de seu impacto social, temos que ampliar e aprofundar o debate na Câmara dos Deputados sobre esse estudo, com a participação desses especialistas. É imprescindível o envolvimento do Poder Legislativo na busca e implementação de respostas pare esses problemas. Será uma oportunidade, inclusive, de se debater a adoção de fontes não consideradas no estudo, como a energia das marés e das ondas. A Região dos Lagos, no estado do Rio, poderia ser um local propício para a instalação dessas tecnologias, bem como de usinas que usem a força dos ventos na geração de eletricidade. Outro ponto a ser aprofundado é o que seria preciso para tornar viável o uso da fissão nuclear, já que o país domina o ciclo de produção do combustível com fins pacíficos.
Com isso, pretendo que a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados possa participar do esforço de preparar o Brasil para as mudanças que virão. Uma das coisas que se pode aprender com o processo de alterações no clima é que precisamos de políticas de longuíssimo prazo se quisermos estar prontos para tornar viável uma matriz limpa, com base em fontes alternativas, a despeito dos efeitos negativos das mudanças previstas.
* Bernardo Ariston é presidente
da Comissão de Minas e Energia
da Câmara dos Deputados