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É preciso fortalecer o eleitor

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Reinaldo Frederico Afonso Silveira *, Jornal do Brasil

RIO - O sistema eleitoral brasileiro para o provimento de cargos na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais é o proporcional. Neste sistema, o eleitor vota em um determinado candidato, mas pode acabar elegendo, o que normalmente acontece, sem ser essa a sua vontade, uma terceira pessoa, que sequer conhece, aliás, que sequer se dá conta de que fora eleita com o seu voto. Isto ocorre porque, no referido sistema, há migração de votos entre os candidatos do mesmo partido ou coligação. Ou seja, o eleitor, ao digitar o número do seu candidato e visualizar o rosto dele na telinha da urna eletrônica, após confirmá-lo apertando a conhecida tecla verde, acaba, sem perceber, transferindo, quando não a integralidade de seu voto, parte dele para outra pessoa. O eleitor vota em João, mas, sendo o seu candidato eleito ou não, transfere, respectivamente, parte ou a totalidade de seu voto para Joaquim. Este sistema de migração de votos lança uma cortina de fumaça entre os eleitores e os eleitos, chegando a impedir que o eleitor identifique as pessoas que foram eleitas com o seu voto. Assim, por conta do sistema proporcional, parcela significativa dos membros da Câmara dos Deputados, por exemplo, é eleita com os votos de outros candidatos, posto não terem logrado atingir sequer o quociente eleitoral.

Tal fato, indubitavelmente, é uma das causas principais da fraqueza da representação na democracia em nosso país, o que esvazia sobremaneira a vontade dos brasileiros na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas e nas Vereanças. Não nos surpreendem, assim, as assertivas destemidas de um deputado federal no sentido de que se lixa para a opinião pública, pois sua eleição, como a de boa parcela de seus pares, pelo sistema vigente, não se baseia propriamente na representação, mas na habilidade de o candidato lidar com o sistema eleitoral proporcional.

É preciso que nós, brasileiros, tenhamos em conta que a representação é a essência da democracia. Não há democracia sem representação. Há muito tempo clamamos por segurança, por impostos justos, por ordem urbana, pela elaboração de leis que efetivamente defendam os homens de bem e punam aqueles que as violem; há muito tempo rogamos por um corpo parlamentar independente, em todos os estamentos da federação (municipal, estadual e federal), que efetivamente fiscalize a atuação do Poder Executivo, ao invés de se deixar levar pelo fisiologismo; mas como São João Batista, parece que estamos pregando no deserto.

Em resposta a tudo isso, tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei visando implantar no Brasil as listas fechadas, com a finalidade, dizem seus defensores, de fortalecer os partidos. Entretanto, antes de fortalecer o partido é preciso, com urgência, fortalecer o eleitor, através do resgate da representação.

De fato, com as listas fechadas serão os partidos que sairão fortalecidos. O eleitor, então, votará na lista, elegendo o candidato na ordem de preferência, frise-se, preestabelecida pelas cúpulas partidárias. Tal fato se agrava porque não há no Brasil a cultura das prévias partidárias, através das quais, de forma transparente e aberta, dever-se-ia propiciar a qualquer integrante do partido a possibilidade de ser candidato a candidato. Corremos, assim, o risco do nepotismo eleitoral, em que os primeiros das listas poderão ser parentes dos caciques do partido.

Entretanto, com o apoio de outros deputados de diversos partidos, tramita também proposta de reforma política visando à implantação do sistema distrital (www.camara.gov.br/sileg/integras/429089. pdf). Se for aprovada, embora creia difícil, ocorrerá uma mudança significativa, para melhor, na política brasileira.

Pelo voto distrital, as cidades, e até mesmo seus bairros, segundo o número de eleitores, poderão ser divididas em distritos. Haverá, portanto, um único candidato do partido por distrito. Assim, o eleitor poderá comparar os candidatos dos partidos em seu distrito, diferentemente do sistema proporcional, em que um universo enorme de pessoas se apresenta como candidato.

Ao trazer a eleição para o distrito, onde vivem as pessoas, o sistema distrital estimularia a participação dos cidadãos no processo eleitoral, promovendo, desta forma, o surgimento de novas lideranças, oxigenando, por conseguinte, a vida partidária, e, com ela, o próprio sistema político. Seria possível fiscalizar o candidato eleito, e como acontece nos Estados Unidos, os representantes acabariam instalando em seus distritos escritórios, estabelecendo, sem dúvida, um contato direto para com os representados. O eleitor saberia quem elegeu e o eleito conheceria os seus eleitores. Além disso, perderia sentido a discussão sobre os altos custos de campanha, eis que limitada a umas poucas quadras do bairro. Caberia ao candidato, isto sim, gastar sola de sapato para percorrer o distrito, gogó e bater de porta em porta. A vitória seria conquistada de casa em casa, de edifício em edifício. Seria o fim das campanhas milionárias, da propaganda eleitoral em rádio e televisão (que de gratuita só tem o nome), e, com ela, dos partidos de aluguel, da ingerência do poder econômico no pleito eleitoral, enfim, de tantas outras questões referentes ao financiamento das campanhas.

Se nada mudar, o que nos parece mais provável, continuaremos como São João Batista, clamando no deserto; se as listas fechadas forem aprovadas, a exemplo do santo, seremos os eleitores martirizados. O voto distrital, com fidelidade partidária e prévias abertas e transparentes, é o que o Brasil precisa para resgatar a representação e fortalecer a democracia. O restante, com todo o respeito, é pastel de vento.

* Reinaldo Frederico Afonso Silveira é advogado