Aloizio Mercadante *, Jornal do Brasil
RIO - Na campanha de 1989, houve encontro histórico entre Lula e Leonel Brizola que definiu as articulações políticas entre o PT e o PDT para o segundo turno. De início, Brizola apresentou resistências a apoiar Lula. Depois, no entanto, ele reconheceu que Lula, que havia permanecido no Brasil e liderado a classe trabalhadora na luta pela democracia ao longo do seu exílio, reunia as condições para dar prosseguimento ao projeto contido na Carta Testamento de Getúlio. Tal projeto, que havia passado de Getúlio a Jango, fora abruptamente interrompido pela ditadura e necessitava, agora, de uma nova liderança para ser concretizado. Brizola arrematou: Lula, o bastão da História está contigo .
E está, mesmo que o projeto político do trabalhismo getulista não possa ser ressuscitado no Brasil de hoje, já que as condições políticas, sociais e econômicas são radicalmente distintas. Há de se reconhecer, porém, a contribuição do velho trabalhismo para o progresso do país, especialmente no que tange à implantação de um projeto nacional de desenvolvimento e ao ordenamento das relações de trabalho no Brasil. Com efeito, a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do BNDES, e da Petrobras, entre várias outras iniciativas, moldaram o desenvolvimento brasileiro nos meados do século passado. Graças, em grande parte, a esse modelo de desenvolvimento do velho trabalhismo, o Brasil transformou-se de país agrário-exportador a país industrializado, urbano e com um mercado interno bastante dinâmico.
No campo social, a implantação do salário mínimo e da CLT redefiniu, para melhor, as relações de trabalhistas brasileiras e ajudaram a incorporar parcialmente as massas urbanas ao desenvolvimento econômico nacional e ao processo político do país.
Infelizmente, essas políticas progressistas foram interrompidas pela ditadura, notadamente no que tange aos avanços nas relações de trabalho, e, num sentido mais profundo, pelo modelo de crescimento desregulamentado que foi implantado no Brasil a partir do governo Collor. A rejeição do papel histórico do velho trabalhismo alcançou, assim, o seu auge.
Estado
A eleição de Lula representou a oportunidade histórica para retomar alguns dos princípios do trabalhismo. Um deles tange ao papel do Estado como indutor do desenvolvimento nacional. Ao longo do período do nacional-desenvolvimentismo, o Estado teve, de fato, centralidade na condução do desenvolvimento do país. Essa política desenvolvimentista tinha como objetivos básicos a indução da industrialização e a superação das condições econômicas e sociais que mantinham o país no chamado subdesenvolvimento. Tal indução se dava por um Estado ao mesmo tempo planejador e empresário.
O outro se relaciona às políticas destinadas à distribuição de renda e a incorporação de estratos populares ao mercado interno, centradas essencialmente, à época, no salário mínimo e na normatização das relações trabalhistas.
Não obstante, no governo Lula tais princípios atuam no quadro de um Estado bastante diverso. No atual governo, o Estado nacional-desenvolvimentista foi substituído pelo que se pode chamar de Estado logístico. O Estado volta a ter centralidade na indução do desenvolvimento, mas não mais na função do Estado empresário. Esse novo Estado utiliza seu arsenal de políticas, bem como seu potencial de investimento para estimular a iniciativa privada a produzir, o mercado interno a crescer, a economia a apresentar menor vulnerabilidade externa e o país a ter maior protagonismo no cenário internacional. É um novo desenvolvimentismo. O PAC é, nesse sentido, o grande programa que tipifica a atuação do Estado neste novo modelo de desenvolvimento.
No campo das políticas sociais, a atuação do atual governo já não se restringe ao salário mínimo e à regulamentação das relações trabalhistas, mas se estende a uma série de programas, como o Bolsa Família, que têm impacto mais vasto e profundo sobre nossa estrutura social iníqua. Antes, o impacto da inclusão se limitava às camadas urbanas de trabalhadores formalizados. Hoje, tal impacto se dá em todos os municípios, urbanos e rurais, e promove também a inclusão de trabalhadores informais. Por isso, entre 2004 e 2006, a renda per capita dos 50% mais pobres do país cresceu 32%, duas vezes mais do que os rendimentos dos 10% mais ricos.
Assim, o bastão de revezamento da História do velho trabalhismo foi passado para o governo Lula, mas hoje o corredor percorre outra raia, em condições nacionais e internacionais muito distintas.
Neste 1º de maio, como acontecia nesse dia na era getulista, Lula anunciará, mesmo com o mar revolto, grande fato promissor para o país: começa a exploração das jazidas do pré-sal, que deverão transformar o Brasil num dos maiores exportadores de petróleo e propiciar investimentos para a superação dos gargalos logísticos ao desenvolvimento sustentado. A campanha do petróleo é nosso, iniciada na era Vargas, adquire, desse modo, sua plena realização no governo Lula. E antes, como hoje, o bastão da História pertence àqueles que acreditam na democracia, no Brasil e em seu povo.
* Aloizio Mercadante é professor licenciado da PUC-SP e da Unicamp e senador da República pelo PT-SP