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Os riscos da desconfiança

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Editorial, Jornal do Brasil

RIO - Contaminado pelos efeitos da crise internacional, o mercado de trabalho brasileiro registrou, em dezembro, o pior resultado para o mês da série histórica do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, iniciada em 1992. Foram fechados mais de 650 mil postos, o pior dezembro da história recente. Como o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu na última quinta-feira, foi um resultado incomum.

Sejam quais forem os motivos, números são especialmente perturbadores. O fato inegável é que o agravar da crise gerou forte ameaça ao emprego. A Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE, referente a novembro, mostrou queda de 0,6% no emprego da indústria ante o mês anterior, a maior desde outubro de 2003. O número de horas pagas caiu 1,7% em novembro em relação a outubro, a maior da série histórica iniciada em 2001. A folha de pagamento real, descontada a inflação, recuou 2,7% na mesma comparação. E os primeiros números relativos ao emprego em dezembro também revelam um quadro preocupante: foi verificado um considerável aumento de pedidos de seguro-desemprego 4,6% em relação a dezembro do ano anterior.

Somados todos os números, acrescidos às férias coletivas das montadoras instaladas no Rio de Janeiro, ao encerramento de contratos temporários na Volkswagen do Brasil, às demissões anteriores na Vale e a tantas outras notícias inquietantes, chama a atenção a declaração do presidente Lula, segundo a qual a crise financeira é motivo de preocupação, mas não pode ser desculpa para atitudes precipitadas, nem do governo, nem dos empresários . O presidente referiu-se tanto aos novos números sobre o desemprego quanto ao fato de a Força Sindical ter suspendido as negociações com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Uma semana antes, os empresários haviam obtido o apoio de centrais sindicais para a proposta de redução dos salários e da jornada de trabalho para evitar grandes demissões na indústria, no comércio e no setor financeiro. Como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) rejeitou o acordo, lembrando que há outros meios de negociação e diálogo , as negociações foram suspensas.

O Jornal do Brasil já insistiu neste espaço que, num momento atípico como este, discussões atípicas se tornarão comuns. Não se trata de oportunismos, nem de ações precipitadas embora o alerta presidencial seja necessário. Mas há um fato em curso a resolver: indústrias de vários setores, de papel e celulose a têxtil, do setor químico ao metalúrgico, anunciaram cortes volumosos. O grave, neste momento, é o ambiente de desconfiança instaurado entre governo, empresários e trabalhadores. Após o anúncio de demissão de trabalhadores temporários pela Volks, as centrais sindicais travaram as negociações. E o presidente Lula pediu ao ministro da Fazenda que solicitasse à montadora o pagamento dos salários devidos aos trabalhadores até o fim do contrato.

Os atores do debate governo, trabalhadores e empresários devem se dar conta de que encontrar alternativas viáveis para evitar o desemprego em massa será o grande desafio deste ano. E enxergar medidas capazes de evitar o pior: o abalo da confiança, não só entre si mas principalmente na economia. Como afirmou editorial de ontem da Gazeta Mercantil, ameaçar o emprego é dar todos os sinais de que a máquina da economia vai emperrar .