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Gabeira: O Rio não precisa de um prefeito pau mandado

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Jornal do Brasil

RIO - Fala mansa, sempre no mesmo tom, Fernando Gabeira chegou ao JB e abriu o jogo. Com um blazer sobre uma de suas camisas de tons coloridos, o sexto candidato à prefeitura do Rio sabatinado pelo jornal defendeu um projeto de longo prazo para a cidade, criticou a política de segurança do governador Sérgio Cabral, apesar de elogiar o secretário Beltrame, e disse que a grande questão da cidade, hoje, não é a legalização da maconha, bandeira que defendeu durante anos. Para ele, é preciso reformular a polícia, começando pela sua unificação. Entrevistado por Tales Faria, Marcos Troyjo, José Aparecido Miguel, Marcelo Ambrosio, Rodrigo de Almeida, André Balocco e Marcelo Gazzaneo, o candidato do Partido Verde, ao lado do seu vice, Luiz Paulo Correa da Rocha, do PSDB, falou ainda que a cidade precisa resolver pelo menos três questões para voltar aos áureos tempos: desordem urbana, violência e capacidade de liderança. Estou pronto para este desafio .

O senhor acha que será um bom prefeito?

Creio que sim, pois existem problemas do Rio hoje que demandam liderança como o combate à desordem urbana, a associação com outros órgão nacionais de combate à violência e também a atração de capital para um outro ciclo de desenvolvimento da cidade. Creio que é a proposta de uma administração transparente e voltada para metas, que estabeleçam também diálogo muito próximo com os investidores que querem se instalar no Rio. Combinar esses elementos à reorganização da cidade, à luta contra a desordem urbana, os altos níveis de violência a atração de capitais. O Rio ainda é a capital do conhecimento, da produção cultural, da tecnologia da comunicação, dos resseguros, do turismo. Tudo isso depende de liderança. Por exemplo, em Bogotá, isso aconteceu desta maneira. Por isso eu tenho condições, estou me cercando de gente tecnicamente muito boa, a começar pelo vice Luiz Paulo, que tem uma longa experiência como secretário de Obras, vice-governador, secretário de Transporte, com mestrado na área.

O que o senhor acha da crítica de ser o candidato da Zona Sul?

Saí de casa agora com alguém comentando que eu não podia subir favela, que não podia subir morro porque isso ia atrapalhar meu trabalho na Zona Sul. E eu tenho subido muito morro. Se a gente não sobe muito morro, nos acusam de ser candidato da Zona Sul. E todos moram na Zona Sul. Se a gente sobe muito morro, nos acusam de abandonar a Zona Sul. Na verdade, não faço nenhuma crítica a eles, eu apenas compreendo.

Quais morros o senhor já subiu?

Pavão-Pavãozinho, Cantagalo, Rocinha, Vidigal...

O senhor mapeou áreas onde é fraco eleitoralmente?

Não tenho dúvida. Mapeei a cidade e a área onde sou mais fraco é a Zona Oeste, onde o nível do conhecimento do meu trabalho é pequeno. A partir desta semana, irei mais à Zona Oeste e ao longo do trabalho da televisão também vão se discutir outros caminhos. É um pouco ilusório pensar que vamos subir 600 comunidades até a eleição. Vamos entrar efetivamente através da TV. Vamos estar na casa da pessoa, em todo lugar, porque não se pode subir o morro numa sexta à tarde, não tem ninguém, só crianças e pessoas que ficaram em casa. Para subir o morro efetivamente o melhor dia é sábado. Temos oito sábados e 600 morros. Como fazer? Subimos os mais simbólicos. Eu subi o mais perigoso, que é a Vila Cruzeiro.

Quais os caminhos para entrar na Zona Oeste?

Através dos aliados que já estão lá. Especificamente o Luiz Paulo que, quando trabalhou na região, contribuiu muito com obras de trânsito, duplicação de vias, pavimentação.

Depois dos candidatos governistas (Solange Amaral e Eduardo Paes), o senhor foi quem mais arrecadou, superando inclusive o senador Marcelo Crivella (PRB), que tem o apoio da Igreja Universal. Por que?

É difícil responder a uma pergunta destas sem fazer uma observação: porque há absoluta transparência. Eu registrei que esse seria um compromisso da minha campanha. Acho que consegui arrecadar o suficiente para financiar o programa de TV. Agora, não posso explicar por que eu arrecadei mais do que os outros.

O Rio está perdendo terreno na cultura para São Paulo?

Tanto o Seu Jorge quanto o Lobão e outros cariocas que estão, de uma certa maneira, exilados daqui por falta de oportunidade, quero trazê-los de volta. Tanto que, na quinta-feira (passada), terei um jantar em São Paulo com os cariocas que vivem lá. Eles querem voltar para o Rio.

Pode explicar melhor?

Vai ser um jantar grande, importante. Acho que, na medida em que transformamos o Rio na capital do conhecimento, na capital da produção cultural e que resolvemos alguns problemas evidentes como a desordem urbana e a violência, vamos criar condição para que essas pessoas voltem.

Como se faz isso na prática?

Estimular o crescimento da cidade, encontrar sua vocação, seu lugar no mundo, como em Barcelona, Bilbao. Para isso, temos que atrair investimentos na área de informática e de produção do conhecimento. Hoje perdemos muitas empresas, não só para São Paulo como para cidades próximas, porque nosso ISS é de 5%, quando outras oferecem 2%. Viajo muito com cariocas para São Paulo que têm empresas lá por causa do imposto. Além disso, os estímulos podem ser dados na construção de pólos de desenvolvimento. O primeiro deles é a recuperação do porto e do Centro. Não só Gamboa, Santo Cristo, Saúde, mas o centro do Rio, que tem cinco mil prédios vazios, muitos casarões abandonados que podem ser restaurados. E para isso a prefeitura tem um poder de estímulo enorme. Se você perdoa o IPTU atrasado para quem queira construir e transformá-los em prédios multiuso para a família e lojas, você estará achando o caminho.

O senhor falou desse encontro em São Paulo e no início da sua campanha teve apoio de Aécio Neves e José Serra. Não teme que ela fique só fora do Rio?

Não. Eu fui apenas uma vez a Belo Horizonte e vou agora a São Paulo. O Rio não é uma ilha. O símbolo do Rio está de braços abertos. E nós queremos transformar a cidade em uma nova capital, a capital do conhecimento. Para isso, temos que ser absolutamente abertos.

O senhor disse que votaria com sua consciência independentemente de partido. Isso seria infidelidade partidária?

Um dos problemas da política brasileira é exatamente não se votar com consciência, mas a partir de interesses materiais.

O senhor acha que muitos fazem isso?

Sempre afirmei isso, basta examinar, quando se tem uma votação importante, a liberação de emendas parlamentares. Ou examinar por outro ângulo, como, por exemplo, quanto eu recebi das minhas emendas parlamentares esse ano. Nada, zero (risos).

O Lula, na oposição, declarou que havia 300 picaretas no Congresso. O senhor concorda?

É muito difícil determinar cientificamente o Lula (risos).

Há uma dependência muito grande de estados e municípios em relação ao governo federal, o que gera dependência política. Certos estados só conseguem ganhos em funções de boas relações com o governo federal. Como romper isso? E suas relações com o governo, com o presidente Lula, em particular?

Concordo, de um modo geral, que a identidade política ajuda. Os números mostram que as cidade próximas ao governo recebem mais que as distantes politicamente. O primeiro ponto é que não se escolhe o prefeito pela proximidade apenas com o governo federal ou estadual. Não se pode pensar com o critério de general é presidente; coronel é governador e major é prefeito. O segundo ponto é que, hoje em dia, quando se produz conhecimento político e avança, é um pouco parecido com o avanço da própria ciência. Hoje a ciência não tem mais uma pessoa que entenda, hoje todo o trabalho de invenção é feito em rede. E a solução do nosso problema depende de uma rede entre a prefeitura, Estado e governo federal. A cidade não precisa de um pau mandado dos governos federal ou estadual para se sentir segura nesse processo. A segurança dela tem que ser obtida estratégicamente, tem que ter uma liderança e um caminho. As minhas relações com o governo, hoje, são tranquilas. E não estou no parlamento. Estou na campanha e acho que posso dialogar com o Lula tranqüilamente, assim como com o Sérgio Cabral. São pessoas que estão na luta há anos. Eu tenho 50 anos de luta política. Já viajei muito com o Lula, o conheço, assim como conheço o Cabral também. O fato de não concordarmos sobre uma série problemas não significa que não poderemos fazer juntos aquilo que é mais ou menos consensual.

O que o senhor acha da proposta de um governo de esquerda?

Interessante. Me dediquei a ela durante alguns anos, fui até às eleições de 2002 que consolidaram a vitória e em 2003 eu sai, mas eu não tenho saudades porque na verdade não se deve esquecer, quando, no processo em 2002, já tinha mais de uma década da queda do Muro de Berlim, e eu estava lá. Eu assisti a esse processo histórico. Eu sabia que certos projetos estavam historicamente condenados. No entanto, eu me desarmei das propostas. Eu não posso ter muita saudade porque, na verdade, foi um pouco de construção psicológica minha de achar que a saída era por ali.

Na Câmara, o senhor fez críticas à atuação do deputado Severino Cavalcanti, o que acabou marcando sua atuação parlamentar. Qual sua análise sobre o fato?

Brigar com o Severino não foi um episódio extraordinário porque eu já havia brigado com ele há muito tempo. A diferença daquela briga é que tinha televisão. As outras vezes ele veio me pedir voto e eu falei: "Eu não voto em você". Em vários momentos fiz críticas a ele, mas um crítica feita com ardor feita na televisão, com passagem no Brasil inteiro dá uma outra dimensão.

O Sérgio Cabral, surpreendentemente defendeu, assim que assumiu, a legalização da maconha. E o senhor, surpreendentemente parou de defender a legalização da maconha. Por que? Para conseguir voto?

Não. Meu filho ficou até um pouco triste comigo porque eu disse a ele que, como governador, não cabia ao Cabral, naquele momento, defender a legalização da maconha. Cabia sim reestruturar a polícia. E hoje eu digo também. Eu fui convidado a debater esse tema pelo governo Fernando Henrique. Fui a mais de 100 debates com José Elias Murad (ex-deputado) que tinham como finalidade esclarecer essa questão para o governo tomar uma posição. E hoje, olhando para trás, eu vejo que esses debates não foram tão frutíferos porque a questão no Brasil hoje, sobretudo no Rio, não é legalizar ou não legalizar. A questão é reorganizar a polícia porque com a polícia que temos hoje, com as falhas que ela tem, a gente não consegue nem reprimir e nem legalizar. Nos lugares onde houve a legalização, na Holanda, na Inglaterra, a legalização partiu de um conselho da polícia por achar que, analisando a eficiência dela de um modo geral, era possível dispensar esse tipo de repressão. E os lugares onde há a decisão de reprimir, se fortalece a polícia, como nos EUA. Aqui você não tem condições de realizar nem uma política nem outra enquanto não se reestruturar a polícia. Por isso, no momento, estou propondo essa ponte: lutar para que tenhamos uma boa polícia.

Legalizar sem resolver o problema da polícia pode ser pior?

Acho que tende a ser pior porque não dá para controlar os efeitos colaterais. Primeiro os efeitos sobre a saúde pública que podem vir; segundo o fato de a própria polícia estar presente neste processo; terceiro, que é fundamental, liberar uma forma de trabalho que no momento está ilegal e não há para ela uma colocação. Para onde essa força de trabalho vai se deslocar? Ela pode se deslocar para outro tipo de crime. Sem preparação, não dá para fazer.

O senhor acha que o Rio está no caminho para a estruturação da polícia?

Eu acho que o Beltrame é uma pessoa interessante, respeitada, mas o caminho demanda muito mais coragem. A existência de duas políticas é muito problemática. Tem que partir para uma idéia de unificação. E tem que partir com uma idéia também de avanço na investigação, na tecnologia, na informação, na inteligência porque o que nós estamos realizando agora me lembra um pouco o que os jordanianos faziam no Haiti antes de o Brasil entrar. De vez em quando tem uns confrontos esporádicos, mas a coisa continua. Esse tipo de trabalho de repressão esporádica não conduz a nada, a menos que se tenha contra a pirataria. Se prende algumas coisas, é uma amostragem, mas não é um trabalho consistente. Acredito que é preciso reestruturar e modernizar, citando experiências de Nova Iorque e Bogotá. Em Bogotá isso foi possível, em Nova Iorque isso foi possível. Não quero dizer que seja única forma, mas também a prefeitura tinha uma responsabilidade sobre a polícia. A PM que temos hoje foi criada para defender governadores. Foi criado em momento específico da história do Brasil e se desenvolveu sem treinamento e sem a capacidade adequada. Por exemplo, para ver o momento em que nós vivemos. Na Colômbia, as Forças Armadas libertaram a Ingrid Betancourt e mais 14 na selva sem disparar um tiro. Aqui a polícia, para defender uma senhora e duas crianças, dispara mais de 20 tiros e mata a criança. No Rio, hoje, 93% dos homicídios não são resolvidos. É trágico.

Como a prefeitura pode se engajar na segurança pública. Qual o modelo que o senhor pensa em relação a isso?

Estrategicamente temos que trazer a política para a prefeitura. Mas isso é muito longo. Eu acho que a polícia deveria ser municipalmente orientada, organizada e dirigida, mas isso é um processo longo. O que eu posso fazer agora é reequipar e retreinar a Guarda Municipal. Tem homens ali que foram treinados e educados à semelhança da PM, o que não se significa que esteja preparada para uma polícia metropolitana moderna. Então temos que reequipar a Guarda Municipal, retreinar, dar à Guarda Municipal equipamentos de comunicação adequados para que cada guarda municipal não esteja monitorando a cidade isoladamente. É preciso ter uma rede, a cada momento ligado com a central, receber informações de outro setor. Temos que construir um serviço de inteligência da prefeitura, usando as possibilidades que se tem, as câmeras, informações de que há equipamentos públicos quebrados. Vamos produzir informação para a polícia. Mas temos que tomar cuidado para informação ir à polícia certa, porque se der para a polícia errada, ela vai pegar essa informação e não vamos ter resultado.

Como será a integração com a PM?

No policiamento. Tem crescido muito o número de furtos e assaltos no Rio, em decorrência da ausência de polícia na rua. Em Bogotá, por exemplo, hoje andam em três. Então podemos ter um esquema em que se coordene a presença da Guarda Municipal e da polícia. E que eles estejam em sintonia, porque não tem sentido uma rivalidade entre eles.

Pode-se policiar através de câmeras espalhadas pela cidade?

Não só pode como deve. Temos que ter mais câmeras. Não é um Big Brother, não vamos devassar a intimidade de ninguém. Não tem outro caminho.

O senhor apoiaria essa alternativa na década de 80, 70?

Não poderia concordar porque a cidade não tinha chegado ao nível de degradação que chegou. O que eu era e o que eu fui durante esse período foi sempre ser uma pessoa fazendo propostas para uma realidade que eu via. Hoje a realidade do Rio é essa. Nós vivemos uma situação crítica. Fiz um mapa da ocupação armada do Rio e aí vemos que a cidade está territorialmente ocupada por grupos armados que não são do governo. Os meus filhos perdem celular e bicicleta constantemente em uma calçada. A realidade mudou. Eu não posso vir aqui hoje com um discurso libertário dos anos 70 e uma realidade de um Rio degradado e em uma crise profunda. É claro que a parte libertária dos anos 70 que há em mim é mesma parte de quando o Bush fez o ato patriótico e protestou contra a invasão de privacidade em desrespeito aos interesses individuais. Agora é possível fazer um policiamento. E é possível unificar o policial sem desrespeitar os direitos essenciais e sem invadir a privacidade de ninguém. A alternativa não é o libertário dos anos 70 voltando hoje. Pelo contrário, a alternativa é uma política policial moderna, que dê respostas aos problemas que vivemos hoje. Não tem sentido, eu não posso vir com uma política romântica numa cidade que está, a todo momento, se dilacerando em tiros.

Por que esta degradação?

O Cesar Maia teve, ao iniciar, uma disposição de abordar esses problemas e conseguiu alguns resultados que, no segundo mandato, a partir do meio do primeiro para o segundo mandato, acabaram neutralizados. O processo de degradação tem um fundo econômico grande, mas precisa ser controlado. Para começar, a questão do comércio irregular. Reconhecemos que as pessoas que vendem produtos na rua precisam sobreviver, mas com o tempo essas pessoas passaram a ser clientes de empresas que compram em grande escala, que vendem esse material. Então criou-se um processo em que se distingue a pessoa que vende na rua das empresas que as alimentam.

E o que fazer com esta mão de obra que perderá seu sustento?

Tem que negociar também com as pessoas que trabalham nas ruas, procurar caminho para elas e esse caminho é organização, um pouco mais de disciplina. Lá no Méier, e em Madureira, já há uma certa negociação em curso, uma certa convivência elaborada. Mas existem outros aspectos como a privatização do espaço público, que tem que ser enfrentada também. Existe desrespeito também às normas de convivência elementares, inúmeras pessoas fazendo xixi na rua. Isso também não pode continuar. Também há falta de banheiro público. Uma vez colocados, é feita uma campanha pedagógica. Acho que vale à pena reprimir também.

O Rio vem perdendo espaço para São paulo em vários aspectos, entre eles o cultural. Qual o papel que a cidade pode ter nesta área específica?

O Rio tem um papel cultural importantíssimo. Aqui há empresas como a Vale, a Petrobras, a própria Rede Globo com a sua produção cultural. São empresas importantíssimas. Acho que o Rio ainda tem um papel importante. Mas para continuar tendo um papel cultural, tem que avançar muito. Perdemos grande parte dos intelectuais que trabalham na área para São Paulo e outras cidades. Criadores e agentes de publicidade também, e não há razões para não ser no Rio. As melhores agências de publicidade do Brasil e seus criadores buscam um conjunto de atmosfera mais estimulante para a criatividade. Os clientes podem ser atendidos pela internet. O caminho é fazer com que o Rio seja um tambor cultural.

E o papel do atual prefeito?

Eu tenho a impressão de que não houve por parte do prefeito essa vontade de continuar. Eu acho que há também dificuldades financeiras na prefeitura, e essas dificuldades são muito explicitadas pela prioridade que se deu à Cidade da Música. A prefeitura tem um orçamento de R$ 11 bilhões, uma capacidade de investimentos de R$ 500 milhões. Só a Cidade da Música custou R$ 470 milhões. Levou a Cidade da Música e se tivesse feito o Guggenheim, a gente ainda estaria pagando (risos).

É uma miopia do prefeito ou ele virou as costas para cidade?

Essa pergunta é feita insistentemente por todo mundo. O que houve com Cesar Maia? Eu acho que, no momento em que ele perdeu o pé, comecei a duvidar não só da importância que ele dá à cidade, mas também da que ele dá à sua própria carreira política. No caso da dengue, por exemplo: não há uma autoridade mundial nessas circunstâncias que não expresse solidariedade e compaixão, que não vá aos postos, que não visite as pessoas, pelo menos na minha geração de políticos. Ele faltou a isso e ainda disse, de uma forma bastante irônica, na Bahia, que estava rogando ao Senhor do Bonfim para levar todos s mosquitos para o mar. Me pareceu ali que estava, de uma certa maneira, abandonando a idéia de ser político no Rio porque isso que implica também em ser respeitado e admirado. Agora, o que pode ter provocado isso nele? Existe um fator que vejo em governantes, uma espécie de desgaste de material, quando ele já está no final do segundo mandato. Acho que ele, de uma certa maneira, perdeu isso.

O senhor acha que ele desistiu?

Não que tenha desistido. Ele perdeu o entusiasmo em ser um grande prefeito e apenas toca o barco.

Isso aconteceu quando?

O Cesar no segundo mandato cometeu um erro grande ao ser eleito prefeito e declarar imediatamente que seria candidato à presidência da República. Deu às pessoas a impressão que estava usando apenas o segundo mandato como um trampolim. Ele poderia ter se redimido. Mas as circunstâncias ficaram mais difíceis também.

O que o verde Gabeira vai fazer em quatro anos?

Toda administração vai ser voltada também para uma questão de sustentabilidade. A idéia que a gente tem é não pensar o Rio apenas nos próximos quatro anos, mas também nos próximos 20 anos. Todas as cidades, até Indaiatuba, que ganhou agora o prêmio de melhor cidade no Índice de Desenvolvimento Humanos feito pela Firjan, se planeja para 20 anos. Nova Iorque está se planejando para 20 anos. Então eu acho que a primeira grande preocupação é a visão de sustentabilidade para os próximos anos e dentro disso há problemas que precisam ser resolvidos imediatamente. Por exemplo, a Baía de Guanabara. Li uma reportagem mostrando as 80 toneladas de lixo que estão flutuando nela diariamente. E a Baía de Guanabara, se você não tiver um processo de recuperação, acho que vai embora. Isso a prefeitura não pode fazer sozinha, mas deve-se investir num consórcio das prefeituras da Baía de Guanabara. Pode estimular o transporte, a ligação de Cocotá a Botafogo para o turista chegar e visitar a cidade. Podemos pensar na tão demandada linha de São Gonçalo à Praça 15. Podemos pensar em várias possibilidades de novos roteiros turísticos na própria Baía de Guanabara. Fui agora a Paquetá justamente com a intenção de levantar isso. Paquetá é uma ilha com quatro favelas. Também são importantes as lagoas da Baixada de Jacarepaguá, que seriam recuperadas para o Pan-Americano e não foram. E elas são importantes também para desenvolvermos um projeto da beleza brasileira. Podemos limpá-las, recuperá-las e navegá-las. Podemos ir de Sepetiba navegando até ali.

E o emissário na Barra, resolverá o problema?

Acho que o emissário precisa ser feito, mas precisa de tratamento. Normalmente, o problema não é ter o emissário, o problema é não jogar o esgoto in natura. Em quase todas as grandes baías do mundo há um tratamento quaternário, ele trata quatro vezes antes de jogar. Além disso, do ponto de vista ambiental, existe um problema de segurança que é a questão do reflorestamento dos morros. O Banco Mundial tem uma disponibilidade para isso e a gente tem que reflorestar. E além de reflorestar, precisamos também tratar diretamente da questão do esgoto, saneamento básico. A prefeitura, de certa maneira, precisa estimular esse processo que é também o maior problema ambiental: a coleta do lixo. O Rio hoje é uma cidade muito suja. A Avenida Rio Branco é varrida 12 vezes por dia e a gente tem que fazer campanhas para reduzir o lixo. Simultaneamente, tem que ter um Plano Diretor que oriente onde coletar, trabalhar esse lixo coletado. Temos que produzir usinas de energia com o lixo.

O reflorestamento dos morros do Rio passa pela contenção das favelas?

Passa. E a desfavelização?

A desfavelização é um dos projetos para 20 anos. Ela vai se dar a partir da criação de pólos de desenvolvimento na cidade para que as pessoas possam se deslocar, trabalhar, morar e consumir numa área próxima. Então a gente tem que procurar os pólos de desenvolvimento que fazem parte do Plano Diretor, da emenda e da análise que nós fazemos do Plano Diretor. Com esses pólos de desenvolvimento, você pode progressivamente ir deslocando pessoas para casas construídas especificamente para eles.

O senhor tem como meta transferir alguma favela?

Acho que o trabalho inicial vai ser a definição dos ecolimites e tentar através de um entendimento com a população e de um monitoramento por satélite tentar evitar que cresçam foram dos ecolimites.

Como evitar isso se os ecolimites não foram respeitados?

Alguns foram respeitados, como os da Chácara do Céu. Eu mesmo participei da negociação há 10 anos. A Chácara do Céu não cresceu. O acordo é uma parte, a segunda é o monitoramento e a terceira, a negociação.

Segurança e favela são problemas conflitantes?

Não, mas a questão da segurança é fundamental. Ela é válida para o posto médico, para a escola. O Rio hoje tem umas 200 comunidades ocupadas militarmente. É preciso desocupa-las progressivamente junto com o Estado e a União. A maneira de você trabalhar a população é prestar serviço.

Nesse sentido o PAC não é um avanço?

O PAC é um avanço, mas não é ainda o avanço. O PAC ainda não prestou todos os serviços que prometeu. Há situações que foram objetos do PAC, mas que foram resolvidas. Temos por exemplo a Tavares Bastos, no Catete. A comunidade é totalmente tranqüila a ponto de o albergue de um inglês que visitei lá ser considerado o lugar mais seguro do Rio, e dentro de uma favela. Mas o que foi feito: sete meses de trabalho preliminar convencendo a população de que era melhor se relacionar com a sociedade organizada, com a lei, com a constituição, do que com os grupos armados. Em cada lugar um trabalho político, depois um trabalho de ocupação, depois um trabalho de permanência e prestação de serviços. Eu fui a Bel Air, no Haiti. Entrei lá pela primeira vez num tanque e com a proteção das Forças Armadas. Da segunda vez que eu fui, um ano depois, foi possível entrar a pé. Os soldados jogavam bola com os moradores. Então é possível. Aqui mesmo, quando nós fomos ao Batan, onde torturaram os repórteres de O Dia, nós voltamos lá agora e, já com uma mini inserção, criaram um posto de policiamento comunitário ao lado da associação de moradores.

Os policiais que moram por perto, passaram a trabalhar lá. Essa solução, em grande escala, significaria diminuir o policiamento da Zona Sul, porque os policiais em geral moram nos lugares piores. O que o senhor acha dessa solução?

Acho que a população não é assistida, pois na verdade a polícia não está lá, nem aqui. A polícia está na burocracia dos quartéis. Só o prefeito tem 170 PMs à disposição dele, os deputados estaduais têm, cada, dois PMS. E há outros na burocracia. Então não tem polícia na rua. É muito difícil ver polícia nas ruas.

O que o senhor acha de deixar o policial trabalhando na comunidade onde ele mora?

Adotaria a idéia em circunstâncias diferentes. Não usaria isso como uma norma, mas caso a caso. Há comunidades em que se a gente colocar lá o policial, pode ser morto; há outras em que ele pode se transformar em milícia. Então teremos que examinar caso a caso.

O senhor devolveria os PMs que trabalham para a prefeitura?

Eu gostaria de devolver pelo menos 150 imediatamente. Agora, com a promessa de que fossem para a rua ou então que eles pudessem trabalhar com a Guarda Municipal na rua. Com 150 já teria condições de melhorar a situação na Zona Sul.