CAIO BUCKER

A coluna trintou

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Por CAIO BUCKER

Publicado em 02/12/2021 às 09:43

Alterado em 02/12/2021 às 09:43

Caio Bucker JB

Trinta vezes. Trinta textos. Trinta crônicas. Trinta histórias. Trinta ideias loucas, ou nem tanto. Trinta situações vividas. Trinta sentimentos. Trinta dores e amores. Trinta emoções. Trinta noites sem dormir pensando “o que vou escrever agora?”. Trinta vezes que, quando eu menos esperava, surgia uma ideia que se transmutava dos dedos para o teclado e para a tela do computador. Trinta temas. Trinta rascunhos que fiz nas dezenas de cadernos e blocos de anotações que andam comigo noite e dia. Trinta doses achando que a inspiração chegaria mais rápido. Trinta e-mails para o editor chefe do jornal, sempre com o mesmo discurso. Trinta fotos para ser a capa ilustrada. Trinta títulos sem subtítulos. Trinta pessoas, ou mais, envolvidas nas artimanhas que desta vez não são de Scapino. Trinta livros pelo menos. Trinta álbuns musicais para acompanhar a dose da inspiração. Trinta amigos que me escrevem semanalmente com elogios, críticas e comentários sobre a leitura. Trinta postagens no instagram. Trinta poderia ser apenas um número, nada demais, mas resolvi comemorar comigo mesmo a trigésima coluna que escrevo para o Jornal do Brasil.

Eu sempre gostei de histórias. Acho que estamos na vida pra contar, ouvir e fazer histórias. Vivê-las de forma intensa, porque sem intensidade não tem graça. Às vezes eu nem quero saber de nada. Estou quieto na minha e uma história chega, uma situação acontece e aí uma crônica aparece. Elas vêm até mim, o que eu posso fazer, senão registrá-las? Afinal, qual a graça de viver algo que considero interessante, sem poder passar adiante? Meus amigos sempre disseram que eu deveria escrever um livro, porque venho acumulando histórias desde garoto. Já estou fazendo isso. E tem de tudo, de bizarrices a situações tensas que tiveram que ser despistadas com sagacidade e bom humor. Acho - e digo - que tem coisa que só acontece comigo. Tenho alguns amigos assim também, como a Bruna Trindade, atriz e roteirista, que é uma das poucas que me entende e compartilha desse sentimento do “isso só aconteceria comigo mesmo”. Elisa Lucinda também é assim, e de tantos causos que chegam nela, fez um espetáculo que já dura vinte anos. Eu gosto de ter testemunhas, para não acharem que quem conta um conto aumenta um ponto. É claro que meu lado ator acaba exagerando um pouco na interpretação. Mas na hora de escrever, não tem isso. É uma sinapse multimídia que acontece com tudo ao mesmo tempo, e só vai. E eu só vou.

Há meses atrás, estava praticamente enlouquecendo com tanto assunto preso na cabeça. Queria escrever e poder compartilhar. Gosto de expor ideias e levantar questionamentos, e acredito que tem quem goste deles. Procurei o presidente do JB, um jornal democrático, inteligente, livre e que se mantém vivo diante de tanta coisa acontecendo. Falei que queria estar aqui e voltar para o jornalismo, mas dessa vez de forma mais lúdica e autoral, com minha estética, numa coluna de crônicas. Ele pediu para que eu escrevesse uma e mandasse para análise. Já tinha algumas prontas, mas foi necessário começar do zero, partindo daquele momento. Rascunhei e fechei a matéria. Mandei pra ele e pro editor. No dia seguinte foi publicada com o lançamento da coluna. Caramba, tenho uma coluna no jornal que sempre me inspirou e esteve de portas abertas desde os estudos na faculdade. Mas agora quem dava o tema da pauta era a minha cabeça. Era o dia a dia. Era a vida que me mostrava algo e dizia: escreve! Sempre de forma livre. Parece bobeira, mas em épocas tão turbulentas e antidemocráticas, é algo a se comemorar e exaltar sim. Obrigado, JB.

Recentemente, um colega jornalista disse que tenho escrito muito sobre pessoas. Pois é, o ser humano me inspira. E não me engana. Ele pode até se enganar, ser enganado, e enganar os outros. Mas o engano é um equívoco, pois deteriora a personalidade e causa uma deformidade na percepção. O engano falsifica a consciência e embaralha o pensamento. Já dizia o filósofo e professor Juvenal Arduini: “Povo enganado é povo mentalmente colonizado, economicamente dominado, socialmente espoliado e culturalmente banalizado.” Ninguém me engana. Risos. Eu vou lá e registro tudo de forma crítica, que para mim, é uma das potencialidade de nós, meros mortais em busca da verdade. A criticidade mora na medula de todo ser, e sem senso crítico, perdemos a respiração racional. Meu pensamento é crítico. Seja pelo olhar, desvendando as entranhas da realidade e garimpando o que se esconde. Seja interpretando coisas além do simples olhar, extraindo significados e motivações ocultas. Seja pela opção, onde podemos aderir ou rejeitar determinada situação, até porque a decisão é uma definição existencial, social e histórica. Ou seja pelo agir, com atitudes, com ações e reações. Escrever crônicas é ter senso crítico. E a criticidade tem paixão pela verdade e pela liberdade.

E sim, gosto de falar de pessoas. Aqui, já escrevi sobre mestres que admiro e me inspiram, como Aldir Blanc, Tom Zé, Elza Soares, Cida Moreira e Jards Macalé. Lado B ou Lado A, eis a questão que não importa. Pude expor meu momento de raiva e decepção diante do atual governo que colocou nossa cultura numa frias (eu adoro esse trocadilho), reforçando que a lei não é para todos. Por conta disso e outros assuntos, fui chamado de comunista caviar. Tentaram me ridicularizar num site de quinta categoria, e aqui eu respondi com nível, educação e uma ironia que eles não entenderam. Tive meu momento poético e filosófico, falando do paradoxo dos seres humanos e de Deleuze. Comentei em primeira mão a reabertura da nossa La Fiorentina, e a volta de um prato de fígado com jiló. Pensamos sobre a arte nesta era da balela, num momento que se questiona a crise com as oportunidades. E ainda dei um spoiler do meu primeiro livro, que será publicado em Janeiro, em homenagem ao Tonico Pereira. Meu muito obrigado aos leitores que fazem o Jornal do Brasil vivo. E aqui, seguimos nas crônicas. Tenho muita história pra contar. Quem sabe isso não vira um livro?

 

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