Carnaval. Festival. Alegria. Ribombos. Rico vira pobre. Pobre vira rico. Serpentinas, confete, alegria, música, dança, beijo, abraço. Casais que se formam, amores efêmeros, se perder na multidão. Quatro dias de folia. É a marca maior da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Expressão de nosso povo, de nossa gente, do espírito que ameniza o calor, transcende fronteiras, nosso evento maior – o desfile das escolas de samba – é considerado o maior espetáculo da terra. A comédia "Rio 2065", uma história de carnaval, comemora os 30 anos do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e os 20 anos da premiada companhia carioca Os Dezequilibrados.
O texto afiado de Pedro Brício, dramaturgo que melhor consegue construir uma densa dramaturgia a partir de fatos históricos e aspectos culturais do Rio, vai se concentrar em uma possível homenagem aos 500 anos de fundação da cidade, em uma mistura de science fiction, chanchada pastelão, comédia, quiproquós. Assim, o carnaval, a festa da inversão, império da paródia, paraíso do sonho e do desejo, é utilizado como alegoria de nossas mazelas atuais, ao mesmo tempo que nos apresenta um duplo sentido de como o poder é capaz de matar as aspirações populares.
A direção de Ivan Sugahara coloca o bloco na rua, com todas as suas alas – as subtramas – e com os participantes – uma diversidade de personagens, com estrangeiros, replicantes, cariocas de vários quadrantes - dizendo na voz e no corpo, com falsetes, sotaques exagerados, barrigas proeminentes que dançam péssimo, cantar desafinado, fantasias descoordenadas, um clima de total farsa, como é farsesca a história, tudo improvável na própria trama, mas que, com o ritmo e as marcações, Ivan consegue um belo espetáculo no qual a risada não abafa o sentido.
O elenco formado pelos integrantes do grupo interpreta os mais variados papéis que acabam por formar um verdadeiro desfile, que vai dos tipos mais acabados e folclóricos cariocas até a personificação de fantasias populares do carnaval. Quatro integrantes do grupo - Ângela Câmara, Cristina Flores, José Karini e Letícia Isnard), se juntam a quatro convidados: Alcemar Vieira, Guilherme Piva, Jorge Maya e Lucas Gouvêa – que alterna com José Karini. E evoluem todos com muita competência, conseguindo um samba sem nenhuma atravessada, como é raro se ver, inclusive no Grupo Especial.
É a visão dos quadros que se sucedem, que se misturam, que o fio condutor é uma teia da qual saem os filamentos que vão compor os preparativos de um desfile importante. Radicaliza que o Rio deixa de ser um centro cosmopolitano e se torna um local subalterno de puro entretenimento, no qual os clássicos desmandos mudaram de eixo. É brilhante o texto, pois a comédia vêm de todos os lados. Das situações, das piadas, dos personagens atrapalhados e inadequados. É um conjunto de ondas, no qual se equilibra o público vendo o desenvolvimento da metáfora e se divertindo, entendendo que a vida do futuro é plantada hoje. Mas que a gargalhada vem da acidez do bom espetáculo.
* Professora do Depto de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras
SERVIÇO
Rio 2065
Teatro I - Centro Cultural Banco do Brasil (R. Primeiro de Março, 66 – Centro; Tel.: 3808-2020). Qua. a seg., às 19h. Duração: 100 minutos. Classificação: 14 anos